Bem vindo(a) hoje a mais um episódio do podcast oficial da Tribo Forte!

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No Episódio De Hoje:

Neste episódio falamos sobre:

  • Estudos que mostram associação entre colesterol mais alto e também LDL mais alto e menor risco de doença de Parkinsons.
  • Pesquisa que indica que o suco de laranja melhora a qualidade de vida.
  • A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) alterou valores de referência para colesterol e triglicérides, fechando o cerco dos limites considerados ideais.

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Ouça o Episódio De Hoje:

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Referências

Estudo sobre os Níveis mais Baixos de Colesterol Associados à Doença de Parkinsons

Estudo Feito na Holanda Corrobora a Mesma Ideia

No Último estudo Publicado este ano Ainda, Eles Mostram que o Uso de Estatinas por si só Pode ser um Fator de Risco em Desenvolver Parkinsons

Mais Evidências Relacionam o Colesterol Elevado para Reduzir o Risco de Parkinsons

Matéria no Estadão Sobre o Suco de Laranja

Matéria no Site Uol Sobre os Cardiologistas Brasileiros e os Valores Mais Rígidos de Colesterol Ruim

Revisão Sistemática Recente Publicada no BMJ em 2016 Concluindo que Pessoas com HDL Mais Alto e Também Pessoas com LDL Mais Alto Vivem Tanto Quanto ou Ainda Mais que Pessoas com Estes Números Mais Baixos

 

Transcrição do Episódio

Rodrigo Polesso: Olá, bem-vindo. Você está escutando o episódio número 76 do podcast oficial da Tribo Forte. Hoje os principais assuntos que a gente vai discutir aqui… A gente vai passar um pouco por Parkinson’s. Vamos falar também sobre suco de laranja e emagrecimento. Para finalizar, uma lambança das novas diretrizes brasileiras do colesterol. A gente vai falar sobre isso também. Colocar você a par do que está acontecendo para que você tenha a informação correta para tomar as melhores decisões em nome da sua boa forma e da sua saúde. Nesse podcast estamos fazendo um esforço heroico para fazer acontecer. Na verdade, a gente não conseguiu gravar na hora que era para ser gravado. Daí a gente combinou de gravar em certo horário, mas o Dr. Souto estava em viagem. Eu voltei. O Dr. Souto teve problema com o voo. Dr. Souto, tudo bem por aí? Conte porque esse podcast vai ser mais desafiador.

Dr. Souto: Então, Rodrigo, negócio é o seguinte. O ouvinte tem que ter o podcast na terça-feira de manhã. A gente se vira. Já era para eu estar em Porto Alegre. Meu voo deveria ter saído às 9:45 da manhã, mas teve um problema no avião. A Avianca providenciou um novo voo para às 21 horas. Tive que cancelar todo meu consultório da tarde de hoje. Sobrou para a gente gravar no saguão do aeroporto. Então, pessoal, nos desculpe. Não tem equipamento de áudio. Vai ter barulho de gente chamando para embarque. Vai ter música no fundo. Aquela coisa. Mas o importante é a gente manter a regularidade da informação.

Rodrigo Polesso: Exatamente. A gente pegou o comprometimento de ter um episódio todas as terças-feiras para você. Toda semana tem episódio novo. Faça chuva, faça sol, atrase o voo, cancele o voo… A gente vai tentar sempre fazer isso. Até agora a gente não falhou nenhuma vez. Já temos 76 podcasts. Mais de anos já invictos, assim digamos. Vamos ver. Se no futuro acontecer, paciência. A gente vai fazer o possível para continuar com essa regularidade. A gente está gravando a ligação. Como Dr. Souto falou, se falhar um pouco a ligação, tenha paciência. A gente está gravando com o WiFi do aeroporto. Vamos começar falando sobre Parkinson’s. Tem uns estudos interessantes. O objetivo aqui é colocar uma pulga atrás da orelha sobre essa questão da doença de Parkinson. Muitas pessoas acham que é má sorte. É só genética. Que alimentação não tem nada a ver com isso. Alguns estudos estão mostrando uma associação entre colesterol mais alto total e também o LDL mais alto… E um menor risco de doença de Parkinson. Ou seja, pessoas com maior colesterol e menor risco de doença de Parkinson. O mais novo estudo foi publicado esse ano e considerou mais de 200 mil pessoas que não usavam estatinas para baixar o colesterol. Mais de 200 mil pessoas analisadas. Esse estudo aqui não é isolado. Pelo contrário. Ela está junto de um crescente corpo de estudos mostrando essa associação positiva entre o colesterol mais alto e menor risco de Parkinson. O mesmo líder do estudo tentou publicar os seus achados antes, em 2005, os quais corroboravam com a mesma ideia do colesterol alto estar associado com o menor risco de Parkinson. Porém, ele foi rejeitado. Olha que interessante o que ele disse. “Eu acredito que foi rejeitado porque essa hipótese do alto colesterol ser associado com um menor risco de Parkinson vai de encontro com a hipótese das estatinas.” O grande mercado das estatinas como essa grande, maravilhosa droga medicinal. No entanto, o estudo foi depois publicado em 2007, dois anos depois que foi rejeitado. Vou colocar todos os links depois aqui no artigo desse podcast. Outro estudo publicado em 2006… Enquanto esse estudo foi rejeitado… Outro foi publicado em 2006. Foi feito na Holanda. Corrobora a mesma ideia do colesterol mais alto e está associado com o menor risco de Parkinson. Para finalizar, no último estudo publicado neste ano ainda, em 2017, eles mostram que o uso de estatinas por si só pode ser um fator de risco no desenvolvimento da doença de Parkinson. É uma bandeira muito grande e muito vermelha que está sendo abanada. Tudo isso é associação. Mas tem vários estudos apontando uma associação dessa. Talvez para colocar no mesmo grupo de evidências que a gente vem falando. O colesterol parece mesmo não ser o problema. Acaba sendo mais prejudicial a gente tentar abaixar ele artificialmente com drogas como as estatinas. Tendo em vista as evidências associações positivas nesse caso por exemplo do Parkinson… Associação positiva com menor risco de Parkinson e outros problemas também. O que você tem a dizer sobre essa questão?

Dr. Souto: Eu me lembro de ter lido esse mesmo artigo. Me chamou atenção. A gente não tinha combinado isso. Mas eu me lembro de ter lido esse mesmo artigo. Acho que saiu no Medscape há um tempo atrás. É interessante. Bota a pulga atrás da orelha. Especialmente quando a gente pensa o seguinte… Que a grande maioria dos medicamentos para baixar o colesterol não teria indicação de usá-lo. Por que não teria indicação? Porque a grande indicação é no paciente que já teve doença cardíaca, na chamada prevenção secundária. Pessoa que já teve um infarto e quer evitar de ter o segundo. As evidências para prevenção primária são bem mais discutíveis, digamos assim. Discutível é o termo mesmo. Na realidade a pessoa tem que usar aquela calculadora de risco e discutir com seu médico se no seu caso vale a pena. A maioria das pessoas está usando para uma indicação que eu não concordo. Vários autores de peso no mundo a fora não concordam. É simplesmente porque o valor do número no papel no exame está elevado. A pessoa tem baixo risco… Bota na calculadora a idade, sexo, colesterol total, HDL, se é diabético, se não é… Se trata medicação para hipertensão ou não. Coloca tudo ali. Se seu risco é baixo, não tem indicação de usar. Repito: a grande maioria das pessoas que usa está usando sem indicação. Você falou muito bem. Não estamos dizendo que o colesterol mais baixo causa Parkinson. Não é isso. Mas tem vários estudos indicando associação. Tem uma lógica. Qual é a lógica? O colesterol é um negócio importante no cérebro. É importante para fazer a Bainha de Mielina dos neurônios. O cérebro é o órgão no corpo que mais tem colesterol. Aí a gente começa a ver estudos com esse tipo de associação. A gente pega uma situação na qual o tratamento com essas medicações não tem benefício palpável. Colesterol ligeiramente elevado em pessoa que não tem outro motivo para ter alto risco. 80% das pessoas que usa estatina estão nessa situação. Estão correndo um risco teórico. É um risco teórico.

Rodrigo Polesso: Sim, é um risco teórico. Como a gente falou também, apesar desse nível de evidência ser de associação e tudo mais, se junta a um grande corpo de evidência, como a gente já falou em vários episódios passados. Acho que bem recentemente a gente comentou sobre pessoas idosas. O fato de que pessoas idosas que tinham mais eventos cardíacos tinham colesterol normal ou baixo. É uma evidência que coloca uma pulga muito grande atrás da orelha.

Dr. Souto: Recentemente saiu um artigo interessante. Ele verificou nos poucos ensaios clínicos randomizados que incluíam população geriátrica… Porque a grande maioria exclui essas pessoas. Exclui por que? Porque não dá certo nelas. As estatinas têm um efeito ruim ou adverso nas pessoas mais idosas. De propósito, quando vão fazer um estudo para mostrar que a estatina é boa, eles excluem do estudo as pessoas mais velhas. Mas ok. Em alguns dos estudos que foram feitos, tem pessoas mais velhas. Foi feita uma metanálise na qual se pegou só a população geriátrica desses estudos. Não se achou nenhum benefício e alguma evidência de malefício nessa população. Já temos um monte de estudo observacionais mostrando que quanto mais alto o colesterol no idoso, maior a sua longevidade. Menor o seu risco de morrer. quanto mais baixo o colesterol no idoso, mas a sua chance de morrer. Maior a sua mortalidade. Aí nós pegamos e avaliamos os poucos ensaios clínicos com estatinas em idosos e eles são negativos. É difícil achar um idoso que não esteja usando. Cada caso é um caso. Se o idoso em questão já tem três stents nas coronárias, é diferente. Já não é prevenção primária. Essa pessoa tem indicação de usar o remédio. Estou falando daquela sua vó que tem o colesterol 225. Que nunca teve nada no coração e que está usando estatina só porque é 225. Sem indicação. Os estudos não mostram isso. Tem aí uma associação… Ou seja, existe um risco potencial de que esteja aumentando as chances de ter algum problema neurológico justamente na idade em que isso é mais comum. Na idade avançada.

Rodrigo Polesso: Exato. É uma coisa para se pensar. A gente quer compartilhar isso com você. O próximo assunto é um pouco divertido… Um dos nossos papéis na Tribo Forte é trazer notícias que saem na mídia… Ver o estudo por trás… E dar uma analisada no estudo para ver se tem pé e cabeça, ou não tem nada. É achar os buracos. Às vezes a manchete não tem nada a ver com o que a gente deveria de fator prestar atenção. Nesse caso aqui é sobre o bendito do suco de laranja. Vamos comentar pela importância do suco de laranja. Na verdade, não é tão importante assim. Mais para você entender como esse é mais um exemplo de estudo que tem alguns pontos falhos. Que levantam bandeiras vermelhas e podem influenciar como você toma suas decisões. Uma matéria no jornal Estadão diz o seguinte de manchete, indica pesquisa. Na manchete embaixo fala assim: “Ao contrário do que se acredita, a bebida não precisa ser evitada quando objetivo é perder peso.” O primeiro parágrafo da matéria no Estadão já diz o seguinte. Já diz muito na minha opinião. “Considerado por muitos um vilão das dietas de emagrecimento, o suco de laranja sempre foi ‘mal-interpretado’. Pelo menos é o que indica um estudo recente realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, financiado pela Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos e publicado na revista científica internacional Nutrition.” O nível de dissonância cognitiva é muito grande quando a gente lê aquilo lá. “Thaís Cesar, professora de nutrição da Faculdade Ciências Farmacêuticas da Unesp Araraquara e Doutora em Ciências de Alimentos e Nutrição Experimental defende que que os resultados ajudam a acabar com o mito de que o suco de laranja é proibido para quem quer emagrecer. Tire outras coisas da dieta: carboidratos simples, doces, produtos processados. Mas não tire frutas. Elas são alimentos muito rico em nutrientes. A laranja tem açúcar, sim, mas tem muitas vitaminas, sais minerais e compostos bioativos que fazem bem para a saúde.” Percebeu a dissonância? Ela fala assim, “Tire outras coisas da dieta, como carboidratos simples e doces.” E ela fala para você continuar tomando o bendito suco de laranja que eu não considero fruta. Suco de laranja é suco da fruta. É muito diferente de comer a fruta, para começar. Vou só ler no que consistiu o estudo. Vou perguntar para você, Dr. Souto, o que você acha disso aí. Foram 78 pacientes obesos que foram divididos em 2 grupos. A intervenção durou 12 semanas. Foi um ensaio clínico randomizado que eles fizeram. 78 pacientes obesos.

Dr. Souto: Ensaio clínico randomizado. Devemos começar a beber suco de laranja direto, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Pois é. 78 pacientes obesos. Dois grupos de intervenção. Durou 12 semanas. Ambos grupos entraram em uma dieta reduzida em calorias. Ambos os grupos entraram numa dieta com número X de calorias. O grupo que tomaria o suco de laranja tomaria meio litro de suco de laranja por dia. O grupo do suco de laranja tomaria um copo de suco de laranja de manhã de lanche e um copo de suco de laranja à tarde. No lugar deste lanche o pessoal do outro grupo comeria algo equivalente em calorias ao suco de laranja. Segundo a própria matéria do Estadão, as opções seriam biscoitos, salgados, bananas ou iogurtes. Resultado do estudo. Ambos perderam a mesma quantidade de peso. Eureka. Em média 6,5 quilos em três meses. Porém, o grupo de suco teve mais melhoras em marcadores como insulina, colesterol , triglicerídeos e etc. É nisso que eles focaram basicamente. A conclusão do estudo é a seguinte. Quando consumido… O suco… Com uma dieta restritiva em calorias… O suco de laranja não inibe a perda de peso. Mas ajuda, por acaso?

Dr. Souto: Vamos tentar fazer o jogo… Como deveria ter sido a manchete. Se você passar fome e beber suco de laranja… Passando fome você conseguirá perder peso mesmo bebendo suco de laranja. Aí vem a submanchete. Se o suco de laranja substituir o biscoito recheado, isso será melhor para sua saúde.

Rodrigo Polesso: Essa é exatamente a conclusão que eu tirei. O suco de laranja é melhor do que biscoito salgados e como lanche. E ainda, o suco de laranja não impede a perda de peso em uma dieta forçadamente reduzia em calorias, porém também não ajuda a perder mais peso.

Dr. Souto: De que forma isso se transformou na manchete… Le de novo a manchete do Estadão.

Rodrigo Polesso: “Suco de laranja melhora a qualidade da dieta, indica pesquisa. Ao contrário do que se acredita, a bebida não precisa ser evitada quando objetivo é perder peso.”

Dr. Souto: Na realidade é o seguinte. Anos atrás teve um maluco americano que fez a dieta dos Sneakers. Lembra disso? Não sei se tem no Brasil. É um chocolate com caramelo dentro. Tipo um Charge. É um troço doce. O sujeito queria provar como esse negócio de low carb não estava certo. Ele comeu só Sneakers por vários dias e emagreceu. Só que ele comia acho que mil calorias por dia. Vamos pensar. Ele conseguiu provar que é possível comer lixo e perder peso, desde que a gente coma lixo e passe fome ao mesmo tempo. O que a pessoa ganha com isso, além de fome e má saúde?

Rodrigo Polesso: Muita má saúde.

Dr. Souto: Veja bem, caro ouvinte. Não é novidade que se a gente passar fome a gente perde peso. O cara faz 14 dias da dieta do Sneakers. Quando chega no 14 dia, ele tem vontade de vomitar quando ele come um Sneakers. Ele perdeu uma quantidade X de peso. Ele comeu mil calorias. Ele está com fome todos os dias. Cada vez que ele está com fome, ele está pensando em comer uma coisa gostosa, mas ele não aguenta mais aquele troço doce. Nas primeiras vezes é muito engraçadinho. Depois é um horror. Agora, finalmente, o sujeito terminou aqueles dias. E aí? Se ele não continuar fazendo isso, passando fome… Ele vai engordar tudo de novo. Ou seja, que solução é essa? Enfim. O primeiro parágrafo já entregou. Foi uma coisa encomendada pela indústria do suco de laranja. Seria mais ou menos a mesma coisa que o seguinte. Tem aí o candidato a presidente tal. O partido dele encomendou uma pesquisa. Segundo a pesquisa encomendada pelo partido, ele está na frente. A gente tem que acreditar.

Rodrigo Polesso: Esse estudo veio de um ensaio clínico randomizado. Peguei o estudo e fui ler para trazer isso para você. Vou ler entre aspas. “A especialista indica que um copo de suco por dia já pode trazer benefícios para a dieta, e que o limite deve ser de três copos.” Eu pergunto: com base no que você diz isso? Pessoas bem intencionadas como o Professor Tim Noakes, Nina Teicholz e etc… São processados por divulgarem a boa ciência. Pessoas como essa, espalhando recomendações inconsequentes e infundadas andam livres, leves e soltas. Mas não aqui na Tribo Forte. Não aqui no tribunal da Tribo Forte.

Dr. Souto: Aqui não tem isso.

Rodrigo Polesso: Resumindo a história, suco de laranja é mais saudável do que biscoito salgado. E se você passar fome, as chances são de que você vai perder peso independente do que você comer. Em outras palavras, besteira total. Uma forma de propaganda encomendada pela indústria do suco de laranja. Abram os olhos quando saírem matérias assim desse tipo na mídia. Não acredite na matéria. Leia o estudo. Não acredite no estudo. Leia os detalhes. Tire suas próprias conclusões. Dr. Souto, a gente pode finalizar esse podcast com o carnaval de horrores sobre as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Ela alterou os valores de referência para colesterol e triglicérides. Fechando o cerco dos limites considerados ideias. Adivinha qual foi a foto do artigo no Uol sobre essa notícia?

Dr. Souto: Eu não vi, mas posso chutar. Um ovo.

Rodrigo Polesso: Está no rumo. É pior que o ovo. É mais estereótipo de gordura do o ovo. É um grill cheio de salsicha e bacon em cima. Estamos careca de saber aqui que o colesterol da dieta praticamente não afeta o colesterol do sangue. Mas eles não conseguem se segurar, sem postar uma foto que tenha os alimentos que, na cabeça das pessoas, significam colesterol. O próprio vilão, na época, o Ancel Keys, admitiu isso em 1954. Mas ninguém sabe disso. Que ele tinha admitido na época. “É verdade, o colesterol da comida não impacta muito o colesterol do sangue. Mas, enfim. As novas regras mudam o colesterol total. Antes o valor considerado desejável era abaixo de 200, como a maioria da população deve saber. Agora eles abaixaram para 190 o colesterol total. Para Faludi, que é o Presidente de Departamento de Arteriosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, manter os índices de colesterol ruim baixos é benéfico para os pacientes. Ele diz, “Isso reduz o risco de enfarte e derrame.” Dr. Souto, manda suas sábias palavras sobre essa lambança aí toda.

Dr. Souto: Rodrigo, por onde começar? Existem variáveis biológicas que a gente pode medir no exame de sangue. Eu posso medir a glicose, o potássio, o sódio, os triglicerídeos, é tanta coisa. Como a gente estabelece o que é o normal? A gente pega uma população de pessoas saudáveis, faz uma média, desvio padrão e a gente diz… O que está fora daqueles desvios padrão é anormal. Só que a média do colesterol é acima de 200. Eu pergunto, Rodrigo. Como um valor que é abaixo da média pode ser considerado o normal? O nome “normal” já indica… Normal, de norma. É, de certa forma, quase um sinônimo de média, de mediana. O colesterol normal deve ser menor que 190. No entanto, a média, é acima de 200. O que significa que vou ter que chegar à conclusão de que mais da metade das pessoas está com o colesterol anormal. Então o normal deveria ser diferente. É muito estranho. Mas o principal não é isso. O principal é o seguinte. Eu sugiro que as pessoas façam isso. Procurem no Google. Bota no Google Imagens. Colesterol curva de mortalidade. As pessoas morrem mais em níveis extremos de colesterol. Elas morrem mais com o colesterol muito alto. Mas elas morrem mais com o colesterol muito baixo também. Por que essa ideia de que ele tem que ser cada vez mais baixo… de quanto mais baixo melhor? Isso simplesmente não se coaduna com a realidade.

Rodrigo Polesso: O colesterol total não é a soma do HDL mais LDL? Sendo que para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o HDL maior é bom. Até para eles. Mas como essa medida pode significar alguma coisa… Se você aumenta o HDL, vai aumentar o colesterol total. Aí você passou do ponto bom… Não faz sentido algum.

Dr. Souto: Eu mostro para o pessoal. Ontem eu estava dando uma palestra lá em Recife. “Quem aqui está melhor?” Tem uma pessoa com 180 de colesterol total e 33 de HDL. Ou uma pessoa com 240 de total e 70 de HDL. Na realidade, a gente faz as contas, divide um pelo outro… Tem 70 de HDL, está melhor. Está com um risco cardiovascular muito menor. A pessoa que estava com 180 e tinha 33 está obesa, estava pré-diabética, estava hipertensa. Agora ela perdeu peso, não é mais diabética. Não é mais hipertensa. Ela está se sentindo maravilhosamente bem. E o HDL dela mais do que duplicou. Foi para 70. Mas o total está 240. Ela diz, “Vou morrer por causa disso?” Por que agora não pode ser nem 200? Tem que ser 190? Não é baseado em evidência. Vou repetir, ouvinte. Não é baseado em evidência. Não existe um estudo novo…

Rodrigo Polesso: É baseado em quê?

Dr. Souto: Se junta um comitê de pessoas e elas votam essas coisas. Ciência não escolhe por votação. Ciência não é democracia. Por mais que tenham algumas pessoas que se reúnem e decidem que de agora em diante não é 200, é 190. Mas o corpo não escutou isso. Os ensaios clínicos randomizados não mudaram. Agora vou me permitir ler para vocês uma coisa. Vou ler para vocês o que saiu no Medscape em 2013 quando as diretrizes norte-americanas mudaram. Olhe que interessante. Olhe a disparidade do que vou ler para vocês. Isso que consta agora nas diretrizes novas brasileiras. Não existem mais os valores alvo de LDL e colesterol não HDL. Vou repetir. Não existem mais os valores alvo de LDL, especificamente aqueles que determinam que o médico trate pacientes com doenças cardiovasculares para atingir um LDL de menos de 100 ou objetivo opcional de menos de 70. Qual é o objetivo deles para quem tem doença cardíaca no Brasil? Não é menos de 70. É menos de 50, segundo essas novas diretrizes. Os americanos já estavam dizendo em 2013 que não existe isso. Agora prestem muita atenção nessa frase. Queria que essa frase ficasse estampada no cérebro de cada um que está nos ouvindo. “De acordo com o painel de experts (dos Estados Unidos), simplesmente não há evidências de ensaios clínicos controlados e randomizados que deem suporte a ideia de tratar para atingir um valor específico de LDL.” Vale repetir essa frase? A pessoa está no carro, olhou pela janela e não prestou atenção. Pare tudo. Desligue o rádio. Mande a outra pessoa ficar quieta e escute. “De acordo com o painel de experts, simplesmente não há evidências de ensaios clínicos controlados e randomizados que deem suporte a ideia de tratar para atingir um valor específico de LDL.” É o que nossas diretrizes estão propondo. Sim, você pode ter um orgulho ufanista e pensar que o Brasil está muito à frente do resto do mundo. Mas eu sinto informa-los de que, pelo menos na minha leitura da literatura, não surgiu nada de tão novo e revolucionário que tenha revertido isso aqui que eu acabei de ler para vocês. E continua. “Como resultado, as novas diretrizes (americanas) não fazem recomendações específicas de valores de LDL para prevenção primária ou secundária de doença cardiovascular arteriosclerótica.” Isso é 2013. Em novembro de 2016 saíram diretrizes novas da força tarefa de medicina preventiva dos Estados Unidos. Elas basicamente afirmam a mesma coisa. Foi em novembro do ano passado. Ou você tem que acreditar que o Brasil está muito à frente do resto do mundo e por isso saltaram na frente para proteger a saúde da nossa população e decidiram que o colesterol tem que ser num nível que só pode ser atingido com doses altas de medicamento. Um nível que praticamente não existe sem remédio. Ou tem algo estranho.

Rodrigo Polesso: A menos que eles tenham um baú cheio de evidência que ninguém conhece. Tem algo estranho.

Dr. Souto: Exato. Na realidade, o que os estudos têm sugerido é o seguinte. Pessoas que têm alto risco cardiovascular, normalmente são aquelas que já tiveram um evento, parecem se beneficiar do tratamento com estatinas. Isso parece ser independente do seu valor de colesterol. Mesmo que a pessoa tenha colesterol baixo. Tem o estudo Jupiter, que já comentamos alguma vez no podcast. Foi um estudo que comentou que pessoas com um colesterol normal, mas que tinham proteína C-reativa muito elevada… Tinham inflamação alta no corpo e por isso tinham um risco cardiovascular aumentado… Para essas pessoas as estatinas reduziam o risco cardiovascular. Reduzia zero vírgula alguma coisa por cento. Um impacto sensacional. Tratando umas duzentas pessoas, uma se beneficia. As outras tomam de graça o remédio e aumentam seu risco de diabetes. O colesterol era normal nessas pessoas. As pessoas têm que se convencer do seguinte. As estatinas têm alguns efeitos chamados pleiotrópicos que vão além de simplesmente baixar o colesterol. Elas afetam a inflamação dos vasos. Por esse motivo, pacientes que têm arteriosclerose avançada nas suas coronárias podem se beneficiar do uso. Não são drogas inúteis. Mas não é bala. Não é Halls.

Rodrigo Polesso: Sabe o que falta e poderia mudar a situação? Tudo bem que tem uma vantagem de zero ponto algum por cento. Não sei existem… Quem é o louco que vai fazer… Comparar essas pessoas, já em segunda estância… Que já tiveram uma incidência cardíaca antes… Colocar essas pessoas num ensaio clínico randomizado… Um grupo toma as estatinas e continua do jeito que está continuando… O segundo grupo faz uma intervenção dietética partindo para uma intervenção low carb, por exemplo, baseada em alimentos reais. E ver no final que melhora os marcadores mais.

Dr. Souto: Sim, isso aí nunca foi feito. Deixe eu comentar, Rodrigo. Quando eu estava em outro evento em Volta Redonda… Ao final do evento tinha aquela parte das perguntas. Uma médica cardiologista que estava assistindo levantou a mão e fez uma pergunta… O que eu achava, afinal, do uso das estatinas… Querendo dizer assim… Muitas pessoas que defendem essa abordagem low carb são contra. Eu disse para ela a mesma coisa que vou dizer para você e para nossos ouvintes. Eu acho que é correto fazer com as estatinas fazer o que é correto fazer com qualquer intervenção médica em 2017. É fornecer para o paciente informações… Mas as informações completas. Os prós e os contras. E aí ele vai fazer a tomada de decisão compartilhada. O paciente vai participar da decisão se ele deve tomar ou não, uma vez que ele saiba qual é o risco e qual é o benefício. Mas aí eu coloquei para ela. Mas tem que ser da forma ética correta. Qual é a forma ética e correta? É com o risco absoluto, não o risco relativo. O estudo Jupiter falou que reduzia em 50% a mortalidade. Eu não vou saber o número exato. Mas era algo de 1,6 para 0,8. Reduziu 50%, mas reduziu zero vírgula alguma coisa por cento. Tem que dar um número absoluto. E tem que dar o NNT (number necessary to treat). Quantas pessoas precisam ser tratadas para que uma se beneficie. A decisão compartilhada é assim. Há um risco e nós podemos diminuir esse risco. Quanto? Ele é um risco atualmente de 2% e ele pode ser reduzido para 1%. Para isso, você tem que usar essa medicação para o resto da vida. A medicação pode dar tais e tais efeitos colaterais… Dor muscular e tal. Então, o NNT, nesse caso, como é uma redução de 1%, é um NNT de 100. Eu preciso tratar 100 pessoas na sua situação para que uma se beneficie. Se o sujeito achar que é muito importante… Aí é aquelas coisas que eu ou você… A gente não pode se meter. Talvez a pessoa teve um pai que morreu do coração e é apavorada com isso… “Se eu puder reduzir em 1% meu risco, eu quero.” A gente respeita. Mas ela tem que saber que é 1%. Mas mentir para as pessoas assustando… “Você reduzir em 50% seu risco”. A pessoa realmente acha que ela vai ter uma grande redução. A gente está mentindo com a estatística. Isso não é decisão compartilhada. Isso é intimidação. Foi o que eu respondi para a doutora. Isso vale para tudo em medicina. Vamos dizer que você vá num ortopedista. “Tenho um problema no joelho.” Aí o sujeito vai dizer, “Tem que operar”. Não é assim. Ele tem que explicar qual é o problema que ele tem no joelho. “Existem alternativas. Você pode fazer fisioterapia. Um reforço. Você pode fazer cirurgia, que tem uma chance Y de dar certo. Mas tem um índice de complicações Z.” Aí você, junto com ele, vai tomar uma decisão compartilhada. É assim para cirurgia. É assim para remédio também. “Mas nenhum médico faz isso.” Se não faz, está errado. Está eticamente errado. Não sou eu que estou inventando. Não falam tanto em diretrizes? Todas as diretrizes hoje mandam a decisão compartilhada. Então, o pessoal só enfatiza a parte da diretriz que saiu pela culatra, que é essa aí de valores absurdos de referência de colesterol. Agora, a parte de educar o paciente e discutir os riscos… Aí ninguém precisa fazer?

Rodrigo Polesso: Adorei essa questão da decisão compartilhada. Acho que tem que colocar na mão do paciente. Vocês que estão escutando a Tribo Forte podiam cobrar esse tipo de coisa. Nada mais justo do que você pedir para seu médico… “Por favor, me forneça todos os pontos que eu preciso ponderar.” O lado que deveria ser positivo é que o profissional deveria estar atualizado segundo a mais atual evidência daquele ramo, para tomar aquela decisão. É imperativo que o profissional esteja em posse da evidência. Esteja atualizado para poder te passar corretamente os pontos a serem ponderados. Se o médico só leu por cima “50%”, é capaz de ele passar que vai reduzir em 50% o risco. Mas como a gente viu, não é verdade. Vai reduzir em 1% o risco absoluto. Você precisa saber dos fatos para tomar a decisão.

Dr. Souto: Você quer ver que em outras áreas da vida a gente não aceitaria… Se você vai no seu gerente do banco. Você tem um dinheiro para investir. Tem lá 10 mil reais para investir. Aí você diz para seu gerente, “Quero investir 10 mil reais.” O gerente não pode em 2017 dizer, “Esse investimento é sensacional. Tem uma chance de duplicar seu dinheiro em 1 ano.” Só que ele não te diz que tem risco. Ele não diz, “Isso aqui são ações super voláteis. Você também pode perder todo seu dinheiro.” Ele não faz isso ele faz um prospecto bem detalhado. “Esse é um investimento que tem um perfil de risco. Ele pode ter um lucro maior, mas pode ter um prejuízo. Tem esse outro aqui que é um investimento conservador. É um investimento que tem um rendimento garantido, mas é um rendimento menor.” Aí você faz uma decisão compartilhada com o gerente do banco. Se não for assim, você pode denunciar ele para o Código do Consumidor… Para a Comissão de Valores Imobiliários. Existe lei regulando isso. A instituição financeira é obrigada a informar para você se o investimento é de risco baixo, médio, moderado. Tem que estar no prospecto, tudo certinho. Na medicina o cara chega e fala, “Seu colesterol está alto. Tem que tomar esse remédio.” Não é assim que funciona. Não pode ser assim que funciona.

Rodrigo Polesso: As pessoas têm que começar a exigir esse tipo de comportamento. Acho que todo mundo vai ganhar com isso. Passamos por Parkinson, passamos por suco de laranja e passamos por novos limites de colesterol indo na contramão do mundo inteiro. Espero que essa informação tenha sido útil para você. Coloque em prática. Exija do seu profissional. A nossa saúde é a coisa mais importante que nós temos. Dr. Souto, espero que você consiga embarcar no seu próximo voo depois de 12 deliciosas horas de espera. No meio termo eu agradeço por mais esse episódio aqui. Faremos todo esforço possível para gravar o próximo, da semana que vem, com certeza.

Dr. Souto: Isso aí. Saguão de aeroporto é tudo de bom.

Rodrigo Polesso: Maravilha.

Dr. Souto: Só que não. Um abraço.