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No Episódio De Hoje:

Neste episódio importante, fechando a quarta dezena de podcasts, tratamos de:

  • Seja paleo, lowcarb, mais carb, proteína, etc… o que é muito mais importante do que tudo isso? Um estudo novo vem pra reforçar essa mensagem.
  • Respondendo uma pergunta importante: “Calorias, precisamos pensar nelas para emagrecer? Até onde elas importam?”
  • batalha que está acontecendo nos bastidores da nutrição.
  • O que comemos na última refeição.

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Referências do Episódio

Estudo comparando VHFLC e LFHC com alimentos menos processados

Artigo que critica o método de questionários

Artigo mencionado pelo Dr. Souto que vai mais a fundo sobre a ineficácia dos métodos de questionários

Transcrição do Episódio

Rodrigo Polesso: Olá para você! Você está ouvindo o podcast número 40. Fechamos a quarta dezena de podcasts. Esse período passou como um raio. Esse é o podcast 40 da Tribo Forte – o podcast número 1 do Brasil em saúde, como você já sabe. Obrigado por sua audiência semanal. Todas as terças-feiras temos um podcast quentinho religiosamente postado. Hoje temos mais assuntos bacanas para falar para vocês. Muita coisa interessante aqui que vai esquentar a discussão. Temos dois tópicos principais hoje aqui. Boa tarde, Dr. Souto, tudo bem?

Dr. Souto: Boa tarde aos ouvintes. Bá, 40 episódios, hein?

Rodrigo Polesso: É muita coisa.

Dr. Souto: Sensacional.

Rodrigo Polesso: Tem um pessoal que sempre vem me falar: “Pô, achei o podcast agora. Ainda bem que ainda tenho 35 pela frente ainda para ouvir.” Quem vai começar deve começar no primeiro e seguir. É uma jornada bastante interessante. Temos dois assuntos principais hoje. Falamos tanto em comer mais carboidrato ou menos carboidrato, mais gordura e menos gordura… Mas existe algo que está na base de tudo isso. É, de longe, a coisa mais importante do que qualquer uma dessas nuances. É o alicerce. É onde todo o resto está suportado: comida de verdade. Falaremos sobre um estudo bem recente que mostra resultados interessantes a respeito disso e fortalece um pouco essa mensagem. Depois, faremos um follow-up do que foi falado no podcast anterior sobre gorduras saturadas. Discutimos um pouco sobre o “novo” estudo de Harvard, que condena, novamente, essas gorduras. Falaremos sobre a briga e os bastidores que estão acontecendo a respeito disso. Também quero falar que o primeiro dia de gravações do Evento ao vivo já está disponível dentro do portal da Tribo Forte para todos os membros. Lembra que eu tinha falado que os membros teriam uma surpresa? Pois é, todas as gravações do evento estarão lá dentro eventualmente. Temos dois dia e evento. O primeiro deles está com as palestras editadas disponíveis para você assistir quantas vezes quiser dentro do portal de membros da Tribo Forte. Se você não é um Membro VIP ainda, não tem acesso a esse tipo de coisa e a um monte de outra coisa que está lá dentro. Incentivo você a fazer parte. É só entrar na TriboForte.com.br e resolver essa questão de uma vez por todas, fazendo parte dessa família. Antes da gente partir para os dois assuntos, como de costume, temos uma pergunta da comunidade. É um tópico que será interessante discutir. A Silva Augusto fala o seguinte: “pelo podcast de hoje retornamos à ideia das calorias serem um grande fator para emagrecer. Aparentemente, o que aprendido que, para emagrecer, o melhor era o controle da insulina. Isso abria as portas para o armazenamento de gordura. Agora voltamos para a velha ideia das calorias, pois queijo com zero carboidratos não ativa a insulina, mas as pessoas podem engordar se comerem demais. Então low carb emagrece se não ultrapassar as calorias e comendo gordura tendo saciedade e menos apetite, portanto baixamos as calorias automaticamente. Calorias continuam sendo um fator determinante?” Se a gente fala o tempo inteiro em insulina, as calorias continuam sendo determinantes? Falamos sobre o óleo de coco e azeite de oliva são alimentos refinados. É fácil comer bastante. Calorias continuam sendo determinantes, Dr. Souto? Acho importante reforçar esse assunto.

Dr. Souto: Existe um conceito que se chama “causas imediatas” e “causas mediatas”. Vamos pegar um exemplo fora da nutrição para causas imediatas. Podemos dizer que a causa imediata do alcoolismo é beber demais. Mas a causa mediata – aquela que realmente está por trás disso – pode ser um problema de relacionamento, um problema no trabalho, um problema coma esposa, uma depressão. Dizer que o alcoolismo é causado por simplesmente beber muito álcool é bobagem. Obviamente, se não existisse álcool no mundo, não existiria alcoolismo. Essa é a causa imediata. O que nos interessa é a causa mediata, que é a causa mais profunda. O Jason Fung tem um exemplo que ele costuma dar. Infelizmente, houve esse acidente aéreo horrível, mas coincidentemente o Jason Fung fala isso há anos. Ele diz que quando um avião cai a causa imediata pode ser a gravidade. Se não houvesse gravidade o avião não cairia. Mas é cretino dizer que o avião caiu por causa da gravidade. A causa mediata, no caso desse acidente, é porque o avião voou por mais do que sua autonomia permitiu, o plano de voo foi mal feito, a agência reguladora do país de origem de onde o avião partiu viu que o planejamento era inadequado e mesmo assim permitiu… houve uma série de causas mediatas, mas a causa imediata é que a gravidade puxou ele para baixo. O empuxo era menor do que a gravidade. O fato de nós sabermos que as coisas caem porque a gravidade impede que elas subam não significa que também não seja verdade que o planejamento do voo foi inadequado. As duas coisas são verdades. Voltando para comida. Quando uma pessoa engorda, ela comeu mais calorias que ela gastou. Essa é a causa imediata do ganho de peso. É o excesso de calorias. Mas qual é a causa mediata? Por que a pessoa está comendo mais do que ela gasta? Pode ser porque exista um problema hormonal envolvido. Vamos pegar um problema hormonal não tão óbvio, como uma pessoa que tem uma doença no sistema imunológico e começou a utilizar corticoide… meticorten (Prednisona). O corticosteroide é um hormônio que faz com que as células adiposas acumulem gordura. Este é o efeito do hormônio na célula adiposa. O corticosteroide não atua no seu prato, não atua no seu garfo. Ele não atua diretamente nas calorias consumidas. A atuação direta dele é provocar o acúmulo de gordura. Aí a pessoa vai, compensatoriamente, consumir mais calorias para cobrir aquele déficit calórico interno que foi gerado no corpo, já que parte das calorias foram sequestradas no tecido adiposo por efeito da Prednisona. A causa imediata continua sendo comer demais. Mas a causa mediata é o remédio, já que foi isso que fez com que as calorias fossem particionadas para a gordura e a pessoa passasse a comer mais compensatoriamente. Quem está olhando no restaurante, pensa que a pessoa está simplesmente comendo demais, já que não sabe que a pessoa está usando Prednisona. Vamos levar esse raciocínio um pouco adiante. Vamos pegar um paciente diabético tipo 2 que já não consegue mais controlar sua glicose e come a utilizar insulina injetável. A insulina faz com que a gordura seja acumulada no tecido adiposo. Essa pessoa acaba comendo mais para compensar esse déficit calórico interno do corpo. A causa última (mediata) é o uso da insulina. Até a pessoa começar a usar insulina, o peso dela era normal. Mas ela começou a usar insulina e começou a ganhar peso. Assim como não resolvemos o problema do alcoolismo dizendo que o problema do alcoolismo é beber… tem que ver a causa última (mediata), tem que ver qual é o problema que está levando a pessoa a beber… A gente normalmente não resolve o problema do excesso de peso simplesmente dizendo que a pessoa come mais calorias do que gasta. Isso óbvio. É tão óbvio quanto dizer que o alcoólatra é alcoólatra porque bebe. Estou sendo repetitivo de propósito. É importante ir na causa última… Naquilo que está por trás. Mas uma coisa não nega a outra. Se você pegar a pessoa que tem problemas com álcool e coloca-la num local onde não existe álcool, o alcoolismo dela será curado. Acontece que, em condições de vida livre, se essa pessoa não estiver internada, dentro de uma clínica de desintoxicação, se essa pessoa tiver no mundo real, ela terá acesso ao álcool. Assim como no caso do sobrepeso, se eu não colocar uma pessoa numa cela onde ela só come a quantidade de calorias que eu oferecer para ela, ela viverá no mundo real, onde ela tem acesso à geladeira e ao supermercado. É mais interessante ir na causa última das coisas. E, frequentemente, o que faz as pessoas ganharem peso não é a insulina injetada pelo médico, mas sim a insulina injetada na pessoa pelo próprio pâncreas cada vez que ela come um pão, um donut, uma massa, um quindim.

Rodrigo Polesso: Acho que foi brilhantemente respondido. Então, resumindo em palavras mais simples, para concluir esse assunto: a caloria sempre será a culpada de você ganhar peso. Se você come mais, você ingere mais calorias do que gasta. Essa é a dinâmica do corpo, mas essa não é a causa mediata. Isso pode ser uma consequência da causa mediada. É melhor focar na alimentação que você está tendo. Low-carb, paleo, alimentação forte, alimentos de verdade é a melhor tacada para evitar que essa ingestão exagerada de calorias aconteça sem você querer. A caloria sempre será o ponto final, mas nunca deve ser o foco a ser corrigido. Ficou brilhantemente explicado a causa imediata e a causa mediata, além da importância de se forcar na causa mediata.

Dr. Souto: A intervenção nas calorias não deve ser a primeira alternativa. Devemos primeiramente resolver coisas anteriores, como tirar o lixo da dieta e etc. Vamos imaginar uma situação hipotética. Eu tenho uma mesa com alimentos low carb, alimentos que são parte de uma alimentação forte. Mas assim como existe aqueles concursos de quem come mais cachorro quente, vamos dizer que faremos um concurso de quem come mais comida low carb. Provavelmente as pessoas comeriam calorias o suficiente para engordar, mesmo sendo low carb. Sim, é possível ganhar peso comendo low carb – não é tão fácil, mas é possível. Nesse caso, a causa última não seria a insulina. A causa última seria esse concurso estúpido que eu inventei agora. É sempre interessante pensar um pouco fora da caixa e tentar ver se não existe uma causa última que não seja simplesmente as calorias. O Gary Taubes diz muito isso. Quem leu o livro “Por que engordamos?” saberá. Ele diz assim: Imagine que eu tenha um estádio cheio de pessoas. Eu pergunto “por que o estádio está tão cheio?” E uma pessoa me responde: “é porque têm mais torcedores entrando do que torcedores saindo.” A pessoa ficaria irritada com essa resposta. Mas essa resposta é rigorosamente verdadeira. Um local só pode estar lotado, por definição, se mais pessoas entrarem do que saírem. Mas isso não é uma explicação; isso só descreve a natureza da coisa. A explicação é a final do campeonato – por isso tem mais gente entrando do que saindo. Isso é uma explicação. Dizer que a pessoa não vai perder peso se ela não diminuir seu consumo calórico é tão óbvio quanto o negócio do estádio. Eu quero saber porque ela tem dificuldade de consumir menos calorias. Numa dieta correta o próprio corpo deveria diminuir a fome e adequar o consumo de calorias ao gasto. É mais uma forma de dizer a mesma coisa.

Rodrigo Polesso: Foque na qualidade e a quantidade vai tomar conta de si própria, assim como foi feito nos 2,5 milhões de anos de evolução. Seguindo em frente. Comida de verdade é a base de tudo. O que é comida de verdade? É engraçado termos que definir isso. No evento da Tribo Forte falo sobre comida de verdade e substâncias comestíveis – existem diferenças entre os dois. Alimentos de verdade são alimentos que não são processados, refinados ou modificados. São alimentos nas suas formas mais naturais e integrais possíveis – exemplos: carnes orgânicas e selvagens, legumes, folas e frutas orgânicas, gorduras naturais, castanhas nozes, sementes, tubérculos… são coisas que vêm da terra, não são processados, refinados, nem nada. Tem um estudo publicado no dia 30 de novembro do American Journal of Clinical Nutrition que joga um pouco de luz nisso… o que é mais importante, as nuances ou a base de tudo? É um ensaio clínico randomizado com 46 homens obesos Foram duas dietas para comparação. Uma foi very high fat low carb – 73% de gordura e 10% carboidrato – versus uma dieta baixa em gordura e alta em carboidratos – 53% carboidrato e 30% gordura. Ambas tinham 17% de proteína. Mas uma vez vemos que a proteína tende a se manter estável nas dietas. Essas duas dietas eram iguais em calorias. Ambas dietas foram baseadas em alimentos não processados e de baixo índice glicêmico – ou seja, eram mais próximas de alimentos reais apesar da diversidade de composição das duas. Foram três meses de intervenção. Ambas as intervenções geraram resultados positivos semelhantes em perda de peso, diminuição de circunferência da cintura e marcadores de saúde no sangue. Uma melhora um pouco mais significante foi observada na dieta very high fat, que era mais alta em gordura. Mas os resultados foram equiparáveis entre as duas intervenções. As duas são opostas no espectro – uma é bem alta em gordura e a outra bem alta em carboidratos. Isso vem a corroborar com estudos feitos em diversas populações mundiais, onde até mesmo o consumo alto de carboidratos não é relacionado com problemas de obesidade, se esses carboidratos não forem refinados e processados (forem alimentos de verdade). O Dr. Jason Fung diz o seguinte: “The devil is in the processing (o problema está no processamento dos alimentos).” Esse estudo mostra uma coisa interessante. Apesar dessa diferença nos macronutrientes, a base era alimentos de verdade. Os dois grupos que começaram a comer comida de verdade tiveram resultados equiparáveis. A conclusão do estudo é a seguinte: consumir energia primordialmente como carboidrato ou gordura por três meses não diferenciou muito no resultado de diminuição de gordura visceral ou de síndrome metabólica, com uma dieta sem alimentos processados e baixa em incide glicêmico. Nossos dados não suportam uma ideia de que gordura que você ingere na dieta promove adiposidade em pontos específicos do corpo ou qualquer problema metabólico cardiovascular. Esse resultado foi muito interessante. Resolvemos focar nisso para voltar à base de tudo. No evento da Tribo Forte poderíamos ter aberto a porta e falado “pessoal, comam comida de verdade”, e fechar a porta. Está passada a mensagem.

Dr. Souto: A linguagem que eles usaram na conclusão do estudo traduz um certo espanto deles. Minha interpretação é que eles achavam que iriam claramente encontrar resultados piores numa dieta de muita gordura. E não verdade foi igual – a gordura foi até um pouco melhor. Eu não tive tempo de analisar em detalhes a íntegra do estudo, mas o David Ludwig já analisou. Ele disse no Twitter que, embora as dietas fossem programadas para sem isocalóricas, na prática, a dieta com mais gordura teve 250 calorias a mais por dia. E o pessoal não ganhou peso. Ele chama atenção que houve um certo plus de calorias, que é muito próximo das 300 calorias de vantagem que ele (Ludwig) achou no estudo dele. Mesmo que não tivesse essa diferença, o pessoal ficou espantado. Que é do lado pró low carb, se espanta com o fato da dieta de alto carboidrato e baixa gordura ter tido resultados equivalentes. Na realidade, o que há de comum nessas dietas tão diferentes é que são dieta de alta qualidade. Elas são baixas em alimentos processados. Isso salienta que existe mais de uma forma de ser saudável. É possível fazer uma dieta low fat saudável. Uma dieta low fat saudável seria feita de alimentos minimamente processados, com frutas, raízes. Eventualmente, até mesmo grãos integrais. Desde de que não haja alto processamento, tem gente que se adapta bem com essas dietas. A dieta mediterrânea é outro exemplo. A dieta paleo com alto carboidrato, como é caso da dieta de Kitava, que tem 70% das calorias oriundas de carboidratos, e o pessoal é saudável, não tem resistência à insulina e não tem diabetes. Mas o carboidrato deles são frutas e raízes de uma era pré-agricultura. São caçadores coletores. Por que defendemos tanto uma dieta low carb? Primeiramente, porque ela é muito boa para sanar os problemas causados por uma dieta com alimentos processados. Eu digo isso para os pacientes em consultório. Ninguém fica gordo porque come muita fruta. Ninguém fica gordo porque come muita batata-doce. A pessoa engorda porque come pão, biscoito, doce, torta e refrigerante. Uma vez que a pessoa atingiu o estado de doença… uma dieta low carb, que restrinja batata-doce e frutas doces, servirá para reverter esse estado de doença. Mas não significa que uma dieta rica em batata-doce e frutas seja ruim para a saúde. É importante a gente perder essa carbofobia.

Rodrigo Polesso: A gente costuma defender uma dieta mais regulada em carboidratos para quem precisa reverter um quadro de doença. Não são pessoas normais que estão tentando uma dieta ou outra. Estamos enfrentando uma crise de obesidade. Achamos que a melhor tacada no momento, pelo o que a ciência diz, é realmente fazer essa redução de carboidratos em pessoas que estão doentes. São pessoas que estão acima do peso com síndrome metabólica. Se você é uma pessoa saudável… Dá até para fazer um experimento. Têm pessoas que viver melhor com mais carboidrato ou menos carboidrato. Se você for pensar na luz da evolução, dá para se entender que em algumas partes do mundo você tenha acesso a alimentos com bastante gordura, plantas, tubérculos… Como o pessoal de Kitava, por exemplo… Talvez um peixe que não seja o salmão, que é muito gorduroso… O corpo humano é preparado para se adaptar a esse tipo de alimento.

Dr. Souto: Isso se chama flexibilidade metabólica. As pessoas nascem com flexibilidade metabólica. Elas vão destruindo suas flexibilidades metabólicas com alimentos processados. Não se trata de os carboidratos destruírem a saúde. Não, o lixo destruiu sua saúde! E sim, o lixo tende a ser carboidrato, mas isso é uma questão mais econômica. O lixo mais barato é o carboidrato. Mas tem lixo gordo também, como margarina, óleos vegetais rançosos. Muitas vezes eles são combinados, como pegar o óleo vegetal rançoso e fritar a batata nele. Daí acompanha ele com um sanduíche de carne alimentada com soja seguido de um milk-shake que é gordura com açúcar. Tudo é processado e refinado. É isso que adoece as pessoas. Depois que a pessoa adoece, ela perde a flexibilidade metabólica. Aí nossa advocacia do low carb entra forte. Por que nossa advocacia não é também de alguns outros estilos de vida saudável? É porque eles não precisam de advogado. Não precisa do Rodrigo e do Souto para defender a dieta mediterrânea. Ela já é a queridinha da imprensa. Não precisa do Rodrigo e do Souto para defender a dieta vegetariana. Ela já é a queridinha da imprensa. E sim, é possível ser saudável com uma dieta vegetariana. Não é muito fácil, mas é possível. Mas a dieta low carb está constantemente sob ataque. Ela precisa de defesa constante.

Rodrigo Polesso: Sabemos que uma das grandes causas de cáries nos dentes é açúcar. Eu li em algum lugar que pessoas que mascam cana de açúcar não têm problemas de cárie. A gente tende a subestimar a mãe natureza. Imagine se ela iria criar um alimento na Terra e esse alimento deixasse sua boca toda podre e cheia de problemas. Você sabia dessa, da cana de açúcar?

Dr. Souto: Eu li isso em algum lugar. Te confesso que fiquei incrédulo. Mas não duvido. Existem estudos sobre o mel que mostram que o mel não tem determinados efeitos ruins sobre a flora intestinal que o açúcar refinado tem, embora o mel seja praticamente só açúcar. Os antioxidantes e outras coisas que estão presentes ali realmente parecem fazer alguma diferença. O alimento minimamente processado sempre é vantagem – às vezes por motivos que talvez não tenhamos nem descoberto quais são.

Rodrigo Polesso: O mel inclusive acho que tem probiótico dentro dele. É incrível. É um alimento criado pela natureza. É obvio que o mel é mais saudável. A cana de açúcar em natura é mais saudável do que um açúcar refinado e desprovido de qualquer tipo de nutriente.

Dr. Souto: Dito isso, não significa que alguém que está fazendo uma dieta low carb vá usar mel. Vamos usar aquilo que eu falei: eu acho que a pessoa não vai adoecer por consumir mel. Mas a pessoa que já adoeceu não está normal. Ela está doente. Ela perdeu a flexibilidade metabólica. O açúcar do mel dificultaria o controle do açúcar do sangue daquela pessoa e vai dificultar a perda de peso. É sutil isso, Rodrigo.

Rodrigo Polesso: Sim. Mas é muito importante essa distinção. Quando falamos bem de um alimento que o pessoal adora, muitas pessoas acham que isso é uma bandeira branca para comerem o quanto quiserem. Se você está no estado de doença (obeso, síndrome metabólica ou qualquer outro sintoma), você sabe que esse tipo de alimento vai só potencializar os problemas. Uma vez que você volte ao peso normal, você poderá se aventurar e descobrir como seu corpo reage a isso. Então, existe uma diferença entre a alimentação para pessoas normais e saudáveis e uma alimentação de intervenção para reverter problemas. O segundo tópico é uma batalha nos bastidores da ciência. Falamos sobre um artigo no podcast passado… Sobre Harvard postando artigos periódicos baseando-se na mesma fonte de informação de sempre.

Dr. Souto: A Nina Teicholz fez um levantamento. É a terceira vez num intervalo de um ano que eles publicam a mesma coisa em revistas diferentes.

Rodrigo Polesso: Só por ser Harvard eles têm esse privilégio que publicar essas coisas repetidas. Mas enfim, está acontecendo essa guerra nos bastidores. O Aseem Malhotra fez um twit hoje também. No British Medical Journal tem uma área para as pessoas postar respostas contra ou a favor do artigo. O Eduard Archer está meio indignado com esse artigo de Harvard.

Dr. Souto: A primeira frase é forte. Vou explicar para quem não conhece. O British Medical Journal é uma revista peer-review – ou seja, só é publicado aquilo que é revisado por outros cientistas. Nessa sessão de cartas ao editor não é como um blog ou revista semanal onde as pessoas botam palavrões. É um negócio curado. A pessoa tem que ser pesquisadora para poder escrever. Outras pessoas veem se aquilo está cientificamente adequado e aí publicam. Eles publicaram essa carta e a carta é forte.

Rodrigo Polesso: Ele fala o seguinte: “Queridos editores. O artigo publicado deveria ser retirado porque os métodos usados são pseudocientíficos. Os resultados utilizados são inadmissíveis como evidência científica. Em uma série de publicações, meus colegas e eu empiricamente refutamos os métodos de coleta de informação através de questionários baseados na memória das pessoas. Nós, sem dúvida alguma, demonstramos que esse tipo de questionário não é plausível fisiologicamente e não pode representar uma informação real de reporte dietético. O nosso trabalho estabeleceu que, como esses questionários foram derivados da memória das pessoas, existem muitos erros associados com isso e não é possível quantificar o número de memórias erradas, marcações intencionalmente erradas ou estimativas grosseiramente erradas.”

Dr. Souto: Ele diz: “Há erros não quantificáveis devido às memórias falsas e omissões. Exemplo de omissão é esquecer. Algo intencional seria mentir. E existem erros de estimativa grosseiros.” As pessoas se enganam de forma grosseira. Apesar desse estudo ser de Harvard, ele é baseado num instrumento de medida que é absolutamente ruim.

Rodrigo Polesso: Ele continua: “É importante notar a distinção entre a quantificação e a não quantificação dos erros. Essa é a demarcação que vai diferenciar a ciência válida da pseudociência com dados inadmissíveis.” Ele conclui com uma frase muito boa: “Dito de maneira simples, o Zong e o resto do pessoal envolvido no estudo, os resultados e conclusões não fazem sentido algum. São inúteis. Por isso, esse artigo deve ser retirado.” Ele chuta o balde com os métodos que Harvard publicou. A base desse estudo inteiro são questionários que confiam na memória das pessoas para reportar o que elas comeram ou não.

Dr. Souto: Quem trabalha com estatística médica tem que observar que nesses estudos múltiplas vezes publicados por Harvard os riscos relativos que estão sendo apontados são super pequenos. Por exemplo: risco relativo de 1,09 – significa um aumento de 9% na chance de acontecer um determinado desfecho. Para ter esse nível de precisão, precisa ter um nível de precisão muito grande na medida que está baseando os cálculos. Os critérios de Bradford Hill, que são os critérios que se usa para estabelecer causa e efeito, dizem que em estudos observacionais não adianta dar muita bola para risco relativo menor do que 2. Quando estamos falando de 1,09, esse número está muito próximo das flutuações que se esperaria devido ao simples acaso. Por melhor que seja o método estatístico que se use, ele não vai adiantar se os dados que dão origem a esses cálculos são dados eivados de erros. Esses autores estão mostrando que estamos trabalhando e fazendo estatística em cima de uma ficção, imaginando que as pessoas realmente conseguem saber com certa precisão, nos últimos 4 anos quantos gramas em média de carne vermelha elas consumiram por dia – e de que elas não vão esquecer de falar que beberam vários copos de uísque. Eles fazem ajustes matemáticos para cada uma dessas variáveis. Cada variável tem um erro gigantesco de medida. Cada vez que fazemos um ajuste desses, esses erros vão se multiplicando. É a típica ciência da fada do dente. A ciência da fada do dente é o seguinte: tentar determinar cientificamente se o molar (um dente maior) dará um dinheiro maior com a fada do dente. Ou se eu limpar bem o dente e colocá-lo dentro de uma caixa, será que o dinheiro será maior? Se eu deixar o dente sujo de sangue ganharei somente uma moeda de baixo valor? Talvez eu realmente consiga criar uma teoria sofisticada sobre a fada do dente. Só tem um detalhe: ela não existe. Ela é uma ficção. Então, estou fazendo estatística em cima de ficção. Basicamente, o que estão fazendo nesse estudo, é estatística com base em ficção. Vou reler para vocês a primeira frase que o Rodrigo leu: “O estudo recente de Harvard deve ser eliminado das revistas científicas porque seus métodos são pseudocientíficos e seus dados e resultados são inadmissíveis como evidência científica.” É forte, mas está publicado como carta do editor por um grupo de pesquisa que escreve bastante sobre isso. Aí podemos comentar sobre esse grupo.

Rodrigo Polesso: Sim, pode mandar ver.

Dr. Souto: Eles publicaram um artigo muito interessante em julho de 2015. Na época eu tive uma ideia de escrever uma postagem no blog sobre isso, mas acabei não tendo tempo. É um artigo no qual eles entram em todos os motivos pelos quais isso é pseudociência e inadmissível. O artigo é maravilhoso de se ler. Nesse artigo publicado em 2015, eles demonstram de forma inequívoca que se as pessoas realmente comem da forma que alegam comer nos questionários isso seria “incompatível com a vida”. Se um ser humano comesse da forma que essas pessoas alegam que comem, essas pessoas morreriam. As pessoas subestimam de tal forma a quantidade de calorias que elas comem, que isso seria insuficiente para manter as pessoas vivas. Vamos pegar um exemplo fora da alimentação. Por que os institutos de pesquisa americanos erraram de forma tão grosseira na eleição do Trump? Um dos motivos que é levantado (acho que é muito verdadeiro), é o fato das pessoas terem um certo constrangimento de dizer que iriam votar no Trump. Especialmente o meio oeste americano, na parte rural, estavam muito insatisfeitos com os democratas. Mas existia uma opinião dominante na mídia americana de que votar no Trump seria um absurdo. Eu particularmente também acho que é um absurdo, mas enfim. Como aquilo era uma opinião dominante, as pessoas tinham vergonha. Quando um entrevistador perguntava: “em quem você votará?” A pessoa respondia aquilo que ela achava que o entrevistador queria ouvir. Elas diziam “vou votar na Hillary”, “vou votar num desses candidatos independentes” ou “não vou votar”. Mas na cabine eleitoral, quando não tem ninguém olhando, o sujeito votava em quem ele queria votar, que era o Trump. Exatamente as mesmas coisas acontecem nos questionários. As pessoas respondem para o entrevistador aquilo que ela acha que o entrevistador vai achar bonito. “Quantas vezes por semana você come peixe?” “Eu como várias.” A pessoa nunca come peixe, mas diz que come. “Você pode salada?” “Sim, como bastante salada.” Os dados acabam reproduzindo os vieses, preconceitos e ideias preconcebidas que já estão vigentes na sociedade. O estudo observacional, no fundo, é quase como uma pesquisa de opinião – e sujeito às mesmas falhas de uma pesquisa de opinião.

Rodrigo Polesso: Exatamente. Não é só porque a Harvard está falando balela que as balelas se tornarão verdades. Temos que prestar atenção nisso.

Dr. Souto: Tem uma expressão em inglês que é: “Crap in, crap out.” Se o banco de dados é feito com lixo, não representa a realidade e é falso, não há técnica estatística, não há autores famosos da instituição de ensino mais famosa do mundo que podem transformar um bolo de dados ruins em algo sublime. É simples assim. Eu não pertenço ao grupo que acha que os institutos de pesquisa americanos estavam tentando modificar os resultados das eleições, dizendo que a Hillary iria ganhar mesmo sabendo que o Trump iria ganhar. É que os dados coletados eram ruins, porque as pessoas estavam mentindo para os entrevistadores. Por isso, não importa qual estatística super sofisticada que usamos, o resultado será falso porque os dados são ruins. Por isso é tão importante o experimento. O experimento é ciência. É isso que esses atores alegam nesse estudo de 2015. Está na hora de parar de ficar dando importância, dando manchetes e publicando mil vezes estudos baseados em dados lixo coletados por questionários preenchidos de memória por pessoas que têm todos os motivos (conscientes e inconscientes) para mentir para o entrevistador. Vamos parar com essa bobagem. Isso é pseudociência. Isso é nível “historinha da comadre”. Vamos usar a ciência de verdade. Separem em dois grupos, dá uma intervenção para um grupo, o outro grupo é grupo controle, espere passar o tempo e observe o desfecho. É assim que se faz ciência. O Gary Taubes, nosso guru, quando resolveu escrever sobre nutrição, ele já tinha escrito sobre fraudes científicas e histórias onde a ciência deu muito errado. Só que ele escrevia na área da física. Ele falou sobre fusão a frio, que foi um grande escândalo. Ele falou sobre o pessoal que estava pesquisando físicas de partículas e alegou que haviam descoberto uma partícula nova, mas que na realidade não existia. Alguém disse para ele: “Já que você gosta de escrever sobre ciência ruim, vá ver o mundo da nutrição para ver o que é ciência lixo mesmo.” Aí ele começou a estudar e ficou abismado com o nível primitivo da ciência da nutrição. Ele viu que o pessoal se baseava em pseudociência (como esses questionários) e escreveu “Good Calorias, Bad Calories”.

Rodrigo Polesso: Que está mudando a história. Fica de novo o incentivo para praticar o ceticismo saudável, como sempre falamos. É difícil falar esse tipo de coisa para a população geral. Vocês já são privilegiados, pois já conhecem esse tipo de conteúdo. Mas o pessoal que vê o título na mídia vai modificar os hábitos alimentares quando vê um estudo de Harvard como esse saindo. Eles não sabem a fundo qual é a origem de tudo isso. O ceticismo saudável em sempre bom. Ele deve ser mantido como prática. Dr. Souto, antes de fecharmos o podcast, vamos falar o que você degustou na sua última refeição. Vou chutar que é salada e frango.

Dr. Souto: Hoje não, mas quase. Eu tenho um paciente que mora num sítio e cria galinhas. Ele me trouxe uma quantidade absurda de ovos. Então, eu tenho comido muitos ovos. Ao invés de ser um bife com ovo, foram ovos com um pequeno bife. O bife serviu para dar gosto no ovo. Estou comendo ovos no café da manhã, no almoço, na janta. É muito bom.

Rodrigo Polesso: Ótimo, muito bom. Eu comi fígado de galinha orgânica. Acho interessante denominar a galinha como “orgânica”. Enfim… fígado de galinha orgânica vendido no mercado com kimchi (aquele fermentado probiótico que eu gosto bastante) e uma salada mista para acompanhar. Foi basicamente isso.

Dr. Souto: A salada eu nem falei, mas ela existiu junto com os ovos.

Rodrigo Polesso: Sempre bom colocar. Vamos fechar. Novamente lembrando que o primeiro dia de gravações do Evento Tribo Forte 2016 está disponível no portal da Tribo Forte para todos os membros. Se você ainda não for membro, entre em TriboForte.com.br para fazer parte. Você terá acesso a tudo isso. Em breve o segundo dia estará disponível para todo mundo lá dentro. Um grande abraço a todo mundo. Dr. Souto, obrigado. Um grande abraço para você também. A gente se fala no próximo capítulo na próxima semana.

Dr. Souto: Obrigado, um abraço a todos. Até mais.

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