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No Episódio De Hoje:

  • Conspiração do Açúcar e do ataque as gorduras: Será que a maior parte das diretrizes alimentares empurradas goela abaixo a população pelas autoridades nos últimos 40 anos estão e sempre estiveram ERRADAS? Seria possível que o próprio veneno tem sido vendido pra população como remédio?
  • BOMBA: A mídia mundial está propagando a “descoberta” recente de novos dados de um estudo grande e sério que aconteceu ainda na década de 60 e 70 e que nunca foi publicado inteiramente… Se isso tivesse acontecido antes, poderíamos hoje estar vivendo consideravelmente mais saudáveis do que estamos…
  • Ainda, temos o quadro Alimento do Dia e também o quadro “O que você comeu no almoço de ontem”.
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Referências do episódio

Artigo sobre a conspiração do açúcar

Apresentação do Dr. Lustig sobre o açúcar (altamente recomendada)

Artigo da Super Interessante sobre as mentiras dos últimos 40 anos

Transcrição Completa Do Episódio

Rodrigo Polesso: Você está ouvindo o podcast oficial da Tribo Forte, com o Rodrigo Polesso e o Dr. Carlos Souto. Assuntos como emagrecimento, saúde, alimentação e estilo de vida são tratados de forma imparcial doa a quem doer. Para se tornar um membro da Tribo Forte, entre em TriboForte.com.br. Bom dia, bom dia! Você está ouvindo o episódio número 8 do podcast oficial da Tribo Forte. O podcast número 1 do Brasil na categoria saúde graças a você e nos acompanha todas as semanas. Muito obrigado por isso! Quem vos fala com essa voz estranha de taquara rachada, sou eu mesmo, Rodrigo Polesso, provando para o mundo que invencibilidade não existe. Eu acabei sucumbindo a um resfriado, mas isso não é desculpa para não gravarmos mais um episódio quentíssimo para você hoje. Só é uma lição valiosa para provar que caldo de ossos nunca é demais para fortalecer a imunidade. Vou tentar poupar ao máximo minha voz hoje, mas isso não é um problema, tendo em vista que o episódio de hoje está pegando fogo! O Dr. Souto já me avisou que ele está com a macaca, então, a coisa vai pegar hoje! No episódio passado, eu anunciei que teríamos um convidado internacional ilustre no episódio de hoje, mas por problemas logísticos a gente teve que postergar essa participação. A boa notícia é que isso acontecerá em breve – então, fique ligado. Lembre-se de tornar o podcast da Tribo Forte parte da sua semana, fazendo desse tempo que a gente passa junto em cada episódio um tempo que é dedicado à sua saúde e bem-estar. Por favor, passe a palavra adiante. Vamos fazer esse movimento crescer cada vez mais! No episódio de hoje, conspiração do açúcar e do ataque às gorduras. Será que a maior parte das diretrizes alimentares empurradas goela abaixo da população pelas autoridades nos últimos 40 anos estão – e sempre estiveram – erradas? Seria possível que um veneno tenha sido vendido para a população como remédio? Outra bomba: a mídia mundial está propagando a “descoberta” recente de novos dados de um estudo grande e sério que aconteceu nas décadas de 60 e 70, e nunca foi publicado integralmente. Se isso tivesse acontecido antes, nós poderíamos hoje estar vivendo com mais saúde do que estamos. Também teremos o quadro “Alimento do Dia” e também o quadro “O Que Você Comeu No Almoço De Ontem?” onde eu e o Dr. Souto compartilhamos o que comemos para dar um toque mais prático a tudo isso que a gente fala. Agora vamos em frente, que a coisa está fervendo. Vamos fazer uma pergunta do pessoal da comunidade. O Marcel Alencar pergunta: “Num podcast vocês poderiam falar sobre o consumo de produtos processados, como bacon, salame, presunto. Não os consumo diariamente, mas sempre que tenho a oportunidade eu não resisto. Seria possível falar um pouco sobre esse assunto? Quão seguro é consumir e em que quantidades? O consumo depende do objetivo da pessoa?” Dr. Souto, bom dia e bem-vindo a mais um episódio.

Dr. Souto: Bom dia, pessoal; bom dia, Rodrigo. Idealmente, a gente deve evitar alimentos super processados. Dentre os alimentos processados, os carboidratos processados são os piores: açúcar e farinha de trigo são realmente as piores coisas que a gente pode consumir em termos metabólicos. Mas eu diria que todos os alimentos processados são menos do que ideais. No caso de embutidos (presunto, bacon, salame), eu acho que é interessante observar a procedência. Nem todos os embutidos são iguais. Eu acho complicado comparar um presunto de verdade (aquela carne curada que encontramos em delicatessens) versus esse presunto embalado e fatiado que a gente encontra no supermercado que se nós formos ver a composição (que deveria ser exclusivamente pernil suíno, sal e algum tempero) tem carne moída suína, mais hidroxi metil celulose, mais proteína isolada de soja, mais glutamato monossódico e várias outras coisas. São suas coisas que chamamos pela mesma palavra (presunto) mas são coisas completamente diferentes. Então, essa é minha primeira observação. A maioria dos estudos que mostram desfechos de saúde ruins com o consumo de carnes processadas (embutidos) na realidade não estão estudando pessoas que estão consumindo carnes processadas de boa procedência e sim aquilo que a gente compra embalado bem baratinho na loja de conveniência. Dito isso, há estudos com bastante repercussão na mídia – publicado pela Organização Mundial da Saúde – mostrando que o consumo de carnes processadas diariamente aumentava o risco de câncer de cólon. Parece haver alguma evidência real por trás disso, mas o consumo de 50 gramas de carnes processadas diariamente, por toda uma vida, aumenta o risco absoluto de câncer de próstata em 0,9%. Então, se a pessoa comer grandes quantidades de presunto, salsicha e etc. todos os dias de sua vida ela vai aumentar em 0,9% em termos absolutos seu risco de câncer de cólon. Isso é fato. Não chega a ser um aumento grande, então podemos dizer o seguinte: para aqueles que tentam escolher alimentos de melhor procedência – que não consome isso todos os dias – esses alimentos não devem deslocar comida de melhor qualidade; eles devem deslocar comida de pior qualidade. Vamos dar um exemplo: digamos que nosso ouvinte queira assistir a um DVD e queira comer um lanche. Antes dele entrar em contato com esse podcast, talvez ele escolhesse pipoca de micro-ondas como lanche. Se a pipoca de micro-ondas for trocada por salaminho, cubinhos de queijo e azeitonas, eu acho que ele estaria fazendo uma troca maravilhosamente positiva, você não acha, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Com certeza. E deliciosa também.

Dr. Souto: É isso aí. O que é mais saudável para você: salaminho ou aspargos? Com certeza aspargos. Mas o que seria mais saudável para você, pipoca de micro-ondas ou salaminho? Salaminho. Como nós não comemos pensando exclusivamente no que é melhor para nossa saúde (também comemos por prazer e questões sociais) eu acho que os alimentos processados (como os embutidos) podem ter seu lugar esporádico, como conveniência e como saúde. Eu vou comer daqui a pouco uma omelete e colocarei presunto. Se eu puder escolher um presunto que não tenha todas essas substâncias químicas que eu citei, é bem melhor.

Rodrigo Polesso: Com certeza. Acho que o ponto mais importante é a questão de ser processado ou não. Alimentos como salame e presunto verdadeiro são alimentos centenários. A população fazia isso para manter a comida comestível por mais tempo. O produto – da maneira que era feito na época do seu bisavô – é bem-vindo na dieta. Infelizmente, o que vemos hoje no mercado não é o presunto verdadeiro. É um processado com o mesmo nome. Dr. Souto, começaremos agora o primeiro tópico quente de hoje: a conspiração do açúcar. Colocaremos a tradução completa do artigo aqui. É um artigo espetacular que foi publicado no jornal The Guardian online: “ainda em 1972, um cientista britânico soou o alarme dizendo que açúcar (e não gordura) era o maior agressor à nossa saúde. Mas os seus achados foram ridicularizados e sua reputação foi arruinada. Como os maiores cientistas de nutrição no mundo conseguiram entender tudo isso de forma errada por tanto tempo?” A palavra está contigo, Dr. Souto.

Dr. Souto: Esse artigo é, sem dúvida, uma das melhores coisas que eu já li publicado na imprensa na minha vida. É um artigo longo, vamos ter que resumí-lo. Ele fala muito sobre o que o Gary Taubes conta em seu livro “Good Calories, Bad Calories” e o que a Nina Teicholz diz em seu livro “The Big Fat Surprise”. Para quem quiser um resumo em português, esse artigo é imperdível. O cientista em questão se chama John Yudkin, que já faleceu. O Yudkin era um professor britânico de nutrição que soou o alarme sobre o açúcar em 1972 em um livro chamado “Puro, Branco e Mortal”. O Yudkin dizia que “se apenas uma parte do que sabemos sobre os efeitos do açúcar em relação a qualquer outro material usado como aditivo alimentar fosse revelada, esse material seria prontamente proibido.” O livro dele teve uma boa tiragem, mas o Dr. Yudkin pagou um preço alto por isso. Nutricionistas de destaque se uniram com a indústria de alimentos para destruir sua reputação. Sua carreira nunca mais se recuperou. Ele morreu em 1995; um homem desapontado e praticamente esquecido. Quando Yudkin estava conduzindo sua investigação sobre os efeitos do açúcar na década de 60, uma nova ortodoxia nutricional estava se estabelecendo. Uma ortodoxia que nós conhecemos muito bem. Seu princípio central era que uma dieta saudável seria uma dieta de baixa gordura. Yudkin liderava um grupo cada vez menor de dissidentes que acreditavam que o açúcar, e não a gordura, era a causa mais provável de males como obesidade, doenças cardíacas e diabetes. Mas, na época em que escreveu seu livro, as posições de comando da ortodoxia nutricional já haviam sido dominadas pelos defensores da hipótese da gordura. Yudkin encontrou-se lutando numa ação de retaguarda, e acabou derrotado. Em 1980, após uma longa consulta com alguns dos mais importantes cientistas de nutrição dos Estados Unidos, o governo americano emitiu suas primeiras diretrizes dietéticas. As recomendações mais importantes de ambos governos (americano e britânico) foi a de reduzir a ingestão de gorduras saturadas e colesterol. Esta foi a primeira vez que o público foi aconselhado a comer menos de alguma coisa. Até então (anos 80) era recomendado que as pessoas comecem o suficiente de tudo. A preocupação era que as pessoas não comecem pouco de algumas coisas. Pela primeira vez entrou essa ideia da restrição. Os consumidores acataram obedientemente. Nós substituímos carnes e salsichas por massas e arroz, manteiga pela margarina e óleos vegetais, os ovos pelos cereais e o leite pelo leite desnatado ou suco de laranja. Mas em vez de ficarmos mais saudáveis, nós ficamos mais gordos e mais doentes. Na melhor das hipóteses, podemos concluir que as orientações oficiais não atingiram o seu objetivo; na pior das hipóteses (que é a hipótese que eu e o Rodrigo defendemos) elas levaram a décadas de catástrofes na saúde. Naturalmente, a busca por culpados começou. O pessoal começou a procurar culpados na mídia, a indústria alimentícia ou até mesmo nós mesmos (por não estarmos seguindo as diretrizes. O que nunca fizeram foi olhar para si mesmo. Quando, em 1957, o Dr. Yudkin lançou pela primeira vez sua hipótese de que o açúcar era um perigo para a saúde pública, isto foi levado a sério, assim como seu autor (o Dr. Yudkin era respeitado em 1957, considerado o nutricionista mais importante do Reino Unido). Por ocasião de sua aposentadoria, 14 anos depois, tanto a teoria como o autor tinham sido marginalizados e ridicularizados. Só agora (em 2010) o trabalho de Yudkin está sendo reconduzido, postumamente, ao pensamento científico dominante. Então o Dr. Yudkin tinha suas ideias valorizadas, mas elas passaram a ser ridicularizadas. Essas flutuações bruscas no valor das ideias do Yudkin tiveram muito pouco a ver com o método científico, mas muito a ver com a maneira não científica com que o campo da nutrição tem se conduzido ao longo dos anos. Essa história que começou a emergir na década passada foi trazida à atenção do público em grande parte por pessoas céticas, de fora, em vez de nutricionistas eminentes. Aqui eu cito duas pessoas que são fundamentais; Gary Taubes, que ainda será lembrado na história como “a pessoa que virou tudo isso do avesso”, porque ele foi o primeiro a chutar e derrubar essa porta. Agora todos nós estamos passando por uma porta ele derrubou; e a Nina Teicholz, mais recentemente fazendo esse maravilhoso trabalho histórico de recontar essa história.

Rodrigo Polesso: Esses dois ainda estão sofrendo uma força oposta muito grande. Tenho até pena do Gary Taubes porque ele foi atacado diretamente pelo pessoal mais ortodoxo da nutrição. A Nina também, depois do lançamento do livro dela, que acabou chutando o vespeiro. Alguns até se recusam participar de eventos onde ela está presente. Mas acho que isso tudo já passou do ponto, não tem mais volta.

Dr. Souto: Está no ponto de não retorno. O mundo é diferente. Hoje existem as redes sociais. Existe o podcast Tribo Forte. Hoje, à medida em que os nutricionistas lutam para compreender um desastre de saúde que eles falharam em prever, e que podem ter provocado, o campo está passando por um período doloroso de reavaliação. Estão gradativamente distanciando-se das proibições contra o colesterol e a gordura e endurecendo suas advertências sobre o açúcar, apenas cuidando para não ir tão longe a ponto de reverter sua posição em 180 graus. Isso é nítido. Ele estão aos poucos mudando, mas sem dar a impressão de estarem admitindo que estavam errados. Mas seus membros veteranos ainda mantêm um instinto coletivo voltado a difamar aqueles que desafiam declaradamente a sabedoria convencional de forma muito ruidosa. A doença do coração, que tinha sido uma relativa raridade nos anos de 1920, agora (anos 50) derrubava homens de meia-idade a um ritmo assustador, e os americanos estavam se lançando em busca de causa e da cura. Ancel Keys (você já nos ouviram falar dele anteriormente) forneceu uma resposta: a hipótese “dieta-coração” (para simplificar, eu estou chamando-a de “hipótese da gordura”). Esta é a ideia, já familiar, de que o excesso de gorduras saturadas na dieta, a partir das carnes vermelhas, queijo, manteiga, e ovos, aumenta o colesterol, o qual se solidificaria no interior das artérias coronárias, causando um endurecimento e estreitamento, até que o fluxo de sangue fique estagnado e o coração pare. Quem de nós nunca ouviu isso? Muitos cientistas, especialmente os britânicos, permaneceram céticos. O cético mais proeminente era John Yudkin, nutricionista líder do Reino Unido. Quando Yudkin olhou para os dados sobre a doença de coração, ficou impressionado com sua correlação com o consumo de açúcar, e não de gordura. Ao longo da década de 1960, Keys acumulou poder institucional. Às vezes, quem define os rumos não é quem tem razão no ponto de vista científico, mas sim quem tem poder do ponto de vista político e institucional.

Rodrigo Polesso: Para piorar, o Ancel Keys era uma pessoa extremamente direta, persuasiva e respeitada. O Yudkin era respeitado, mas era muito calmo; então ele não respondeu à altura aos ataques e acabou sendo fácil de ser tirado de campo.

Dr. Souto: O Yudkin era um cavalheiro britânico, educadíssimo. Ele não sabia se portar no embate político ou responder ofensas à altura. Keys assegurou lugares para si e seus aliados nos conselhos dos órgãos de saúde americanos mais influentes, incluindo a Associação Americana do Coração e o Instituto Nacional de Saúde. A partir dessas fortalezas, ele direcionou fundos para pesquisadores com as mesmas ideias, e emitiram pareceres com o peso da autoridade para a nação. Keys detinha um trunfo. De 1950 e tantos até 1964, ele e seus colegas pesquisadores reuniram dados sobre as dietas, estilo de vida e saúde de 12.770 homens de meia-idade nos seguinte sete países: na Itália, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Holanda, Japão e Estados Unidos. Isso ficou conhecido como “Estudo dos Sete Países”.                Não havia nenhuma base objetiva para os países escolhidos por Keys, e é difícil evitar a conclusão de que ele escolheu apenas aqueles que já suspeitava previamente que iriam apoiar suas hipóteses. Afinal, é muito estranho escolher sete nações na Europa, mas deixar de fora a França e a Alemanha. Keys não fez isso ao acaso. Ele já sabia que os franceses e alemães tinham taxas baixas de doenças cardíacas, muito embora vivessem numa dieta rica em gorduras saturadas. Então, para ele não seria interessante que esses dados aparecessem. Era mais interessante escolher países que ele já sabia que iriam dar sustentação às suas hipóteses. Anos mais tarde, um dos pesquisadores que conduziu o estudo dos sete países, o italiano Alessandro Menotti, voltou a avaliar os dados e descobriu que os alimentos que mais se correlacionavam com as mortes por doenças do coração não era a gordura saturada, mas o açúcar. Só que aí já era tarde demais. O estudo dos Sete Países já tinha se tornado canônico, e a hipótese da gordura já havia sido consagrada nas recomendações oficiais. Hoje, minha filha no almoço estava me mostrando o livro dela da escola e disse “pai, eles recomendam comer a metade do que a gente come em pão”. A menina tem 12 anos. Ela disse “como chamam de dieta balanceada?” Que dieta balanceada é essa que tem bem pouca gordura e mais da metade é pão? Em uma série de artigos e livros densos em argumentos científicos, incluindo o livro “Por que Engordamos” (leitura obrigatória para todos que escutam esse podcast), o jornalista científico Gary Taubes, construiu uma crítica à ciência da nutrição contemporânea suficientemente poderosa a ponto de obrigar o campo a prestar atenção. Eles não queriam, mas tiveram que prestar atenção. Esse foi o livro que eu li em 2011 que me fez começar a estudar nutrição. Até então eu não dava bola para esse assunto. Uma de suas contribuições foi a de descobrir um conjunto de pesquisas conduzido por cientistas alemães e austríacos antes da segunda guerra mundial, que tinham sido ignorados pelos americanos, que reinventaram este campo na década de 1950. Aqui vem uma parte que eu acho que é uma grande sacada do Gary Taubes: os europeus eram médicos praticantes e especialistas no sistema metabólico. Já os americanos eram em geral epidemiologistas, que trabalhavam em relativa ignorância sobre bioquímica e endocrinologia (o estudo de hormônios). Ou seja, gente que trabalhava com dados de questionários. Não eram médicos que trabalhavam diretamente com pessoas obesas ou diabéticas. Isso levou a alguns dos erros fundamentais da nutrição moderna. A ascensão e queda lenta da infâmia do colesterol é um caso em questão. Depois que o colesterol foi descoberto no interior das artérias de homens que sofreram ataques cardíacos, os ovos, cujas gemas são ricas em colesterol, foram colocados na lista negra pelas autoridades de saúde pública – sob a orientação de cientistas. Mas é um erro biológico confundir o que uma pessoa coloca na sua boca com o que aquilo se torna depois de ser engolido. O corpo humano está longe de ser um recipiente passivo para o que quer que nós escolhemos colocar dentro dele, é uma fábrica química que transforma e redistribui a energia que recebe. O princípio que o governa é a homeostase, ou seja, a manutenção do equilíbrio energético (quando o exercício nos aquece, o suor nos esfria). O colesterol, presente em todas as nossas células, é criado pelo fígado. Os bioquímicos há muito tempo sabem que quanto maior a quantidade de colesterol que você come, menos o seu fígado produz. Tem até uma piada para essa situação: se fosse verdade que nós somos o que comemos, se comêssemos muita alface, ficaríamos verdes.

Rodrigo Polesso: É muito mais fácil você explicar que se você come colesterol o colesterol vai parar nas suas veias do que falar que o açúcar que você come vira uma coisa totalmente diferente, que vira o colesterol que fica nas veias.

Dr. Souto: A explicação simples é cativante.

Rodrigo Polesso: Isso.

Dr. Souto: A bem da verdade, Ancel Keys deu-se conta ainda cedo de que o colesterol da dieta não era um problema. Isso é algo curioso. Nos anos 50 o Ancel Keys já afirmava que o colesterol da dieta não tinha nada a ver. Mesmo assim, só depois dos anos 2000 que o pessoal foi admitir isso.

Rodrigo Polesso: Eu li em algum lugar que fizeram uma pesquisa com médicos, e mais de 50% dos médicos ainda acreditam que se você comer colesterol você aumenta o colesterol do sangue, o que é de fato que está errado.

Dr. Souto: Depois que as diretrizes são estabelecidas, elas tem um poder de influência sobre as pessoas que é quase religioso. A bem da verdade, o Keys já sabia disso. Mas, a fim de sustentar a sua afirmação de que o colesterol provocava ataques cardíacos, ele precisava identificar um agente que aumentasse os níveis de colesterol no sangue – e o escolhido foram as gorduras saturadas. Nos 30 anos que se seguiram após o ataque cardíaco de Eisenhower (um presidente que teve um ataque cardíaco nos anos 50 e isso marcou muitos americanos), experimentos após experimentos não conseguiram dar suporte conclusivo à associação que ele afirmou ter identificado no Estudo dos Sete Países. Bom, aí vem a parte interessante. Nos últimos 10 anos, uma teoria que, de alguma forma, conseguiu sobreviver sem sustentação por quase meio século, passou a ser refutada por várias revisões abrangentes de evidências, embora ainda siga cambaleante, como um zumbi, nas nossas diretrizes alimentares e recomendações médicas. Aí o texto cita vários estudos que mostram que a gordura na dieta não tem relação com doença cardiovascular. Não vamos citar todos aqui por uma questão de tempo. Aqueles pesquisadores europeus anteriores à guerra teriam considerado a ideia de que a obesidade é resultante do “excesso de calorias” como sendo comicamente simplista. Bioquímicos e endocrinologistas são mais propensos a pensar na obesidade como um distúrbio hormonal, desencadeado pelos tipos de alimentos que começaram a ser muito mais ingeridos quando cortamos a gordura: os amidos facilmente digeríveis e os açúcares. Quem escreve espetacularmente sobre isso é o Dr. David Ludwig em seu livro novo Always Hungry, que ainda não está traduzido. Ele é um endocrinologista e professor da Harvard Medical School (um sujeito extremamente respeitado), chama isto de modelo “Insulina – Carboidratos” da obesidade. Esse modelo viria substituir um modelo “Gordura – Colesterol – Coração”. O modelo “Insulina – Carboidrato” mostra que um excesso de carboidratos refinados interfere com o equilíbrio hormonal do sistema metabólico. Só que a reputação científica de John Yudkin foi virtualmente enterrada. Ele deixou de ser convidado para conferências internacionais sobre nutrição. As revistas científicas recusaram-se a publicar seus estudos. Seus colegas cientistas falavam dele como um excêntrico, como um obsessivo solitário (mais ou menos como as pessoas falam de alguns de vocês que estão nos ouvindo quando vocês começam a falar sobre esse assunto). Ele se tornou uma história de terror. Sheldon Reiser, um dos poucos pesquisadores que continuou a trabalhar sobre os efeitos de carboidratos refinados e açúcar na década de 1970, disse a Gary Taubes em 2011: “Yudkin foi muito desacreditado. Ele foi ridicularizado. E se qualquer outra pessoa dissesse algo ruim sobre o açúcar, eles diziam: ‘Este aí é como aquele Yudkin'”. Ser comparado com o Yudkin era ser comparado com alguém que estava com a carreira acabada. Se Yudkin foi ridicularizado, Atkins era uma figura odiada. Apenas nos últimos anos é que tornou-se aceitável estudar os efeitos de dietas tipo Atkins. Em 2014, em um estudo financiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH), com 150 homens e mulheres foram designados a seguirem uma dieta por um ano, que limitava ou a quantidade de gordura ou a de carboidratos que poderiam comer. No final do ano, qual será que foi a melhor, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Pois é, por surpresa, qual será?

Dr. Souto: Poxa vida, foi o de restrição de carboidratos! O grupo que restringiu carboidratos perdeu praticamente o dobro do peso e tinham uma propensão maior a perder peso a partir do tecido adiposo. Eu sei que vocês que estão nos ouvindo já ouviram várias vezes que uma dieta de baixo carboidrato faz com que a pessoa perca músculo. O estudo prospectivo e randomizado patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde mostrou que se perde mais gordura em uma dieta em que se restringe carboidratos. Enquanto que o grupo de baixo teor de gordura perdeu algum peso também, mas a maior parte veio dos músculos. Então, as pessoas dizem muitas coisas, mas temos que ver o que os estudos mostram. Esse estudo do NIH é o mais recente dos mais de 50 estudos semelhantes que, em conjunto, sugerem que as dietas pobres em carboidratos são melhores do que as dietas de baixa gordura para a perda de peso e controle do diabete tipo 2. Aí veio a edição de 2015 das Diretrizes Alimentares dos EUA (que são revisadas a cada cinco anos, e a última vez foi ano passado). Será que falaram alguma coisa desses 50 estudos, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: É impressionante que conseguiram abafar de novo isso.

Dr. Souto: Incrível. A Edição de 2015 não faz qualquer referência a nenhuma dessas novas pesquisas, porque os cientistas, que fizeram parte da comissão – os nutricionistas mais eminentes e bem relacionados do país – negligenciaram a inclusão de uma discussão sobre as mesmas em seu relatório. É uma omissão escancarada, inexplicável em termos científicos, mas inteiramente explicável em termos da política da ciência da nutrição. Se você está procurando proteger a sua autoridade, por que chamar a atenção para evidências que parecem contradizer as afirmações nas quais esta autoridade se fundamenta? Permita que se puxe um fio solto, e corre-se o risco de que tudo comece a se descosturar. Um dos jornalistas que chamou atenção para isso agora em 2015 foi a Nina Teicholz, autora do livro “The Big Fat Suprise”. Ela publicou um artigo no British Medical Journal, chamando atenção para esse erro absurdo das diretrizes de 2015 de não incluir uma boa parte das ciências de baixo carboidrato. A resposta dos nutricionistas eminentes pediram que exigindo a retratação do artigo. Um dos cientistas que pediu a retratação (e pediu para não ser identificado) reclamou que a ascensão das mídias sociais criou um “problema de autoridade” para a ciência da nutrição. “Qualquer voz, por mais louca que seja, pode ganhar terreno”, ele disse. É uma queixa conhecida. Ao abrir as portas da publicação a todos, a internet tem achatado hierarquias em todos os lugares que elas existem. Nós já não vivemos em um mundo em que as elites de especialistas credenciados são capazes de dominar as conversas sobre assuntos complexos ou contestados. Os políticos não podem contar com a aura do poder para persuadir, jornais lutam para fazer valer a integridade superior de suas histórias. Não está claro que essa mudança seja boa sempre. Mas em áreas onde os especialistas têm um histórico de erro sistemático, é difícil ver como isso poderia não ser bom. Se alguma vez houve um caso em que a democratização da informação, mesmo que muito confusa, foi preferível a uma oligarquia da informação, a história das diretrizes nutricionais é este caso. Depois vem o fim triste do Professor Yudkin, que se aposentou em 1971, para escrever seu livro, mas com a promessa de continuar pesquisando. A faculdade descumpriu uma promessa e ele teve que contratar um advogado para conseguir ser reintegrado na pesquisa. Eles haviam contratado um novo pesquisador que pensava que a gordura era o problema. O homem que havia construído o departamento de nutrição da faculdade a partir do zero foi forçado a solicitar auxílio de um advogado. Finalmente, uma pequena sala em um prédio separado foi destinada a ele. O jornalista diz assim: “Quando perguntei a Lustig (que é um dos autores que mais fala contra o açúcar hoje em dia) por que ele foi o primeiro pesquisador em tantos anos a focar sobre os perigos do açúcar, ele respondeu: “John Yudkin. Derrubaram-no de forma tão severa – mas tão severa – que ninguém mais quis se arriscar por conta própria por décadas”. É um artigo fascinante. Todo mundo deveria pegar o link no podcast e ler o original. Ele está todo traduzido para o português. Por coincidência, surgiu uma bomba nessa semana.

Rodrigo Polesso: Esse é o próprio assunto.

Dr. Souto: Como o Rodrigo está com a voz ruim, e a minha só está começando a ficar ruim…

Rodrigo Polesso: É ótimo a gente continuar porque os dois assuntos têm muito a ver. Antes de passar para o próximo assunto, seria legal dar uma parada mental para falar um pouco do Alimento do Dia, que hoje é curiosamente a população em geral tende a gostar muito, mas muitas vezes tem uma má reputação: o chocolate. Aliás, você sabia que chocolate é um alimento fermentado? Poucas pessoas sabem como o chocolate é feito. Outra coisa que o pessoal normalmente não sabe é que o chocolate de verdade é um dos alimentos mais nutritivos que existem. Ironicamente, ele é alto em gorduras. O chocolate vem do cacau. As sementes do cacau ficam em volta de uma substância meio adocicada, meio azeda e branca. As sementes são fermentadas ao ar livre por um certo tempo até que essa fermentação consuma essa membrana ao redor das sementes. Depois que as sementes são secadas, vem o processamento do chocolate verdadeiro. O chocolate verdadeiro não é doce. Quem já comeu uma barra de chocolate 100% (que é rara de se encontrar) sabe que não é doce. O chocolate de verdade é muito nutritivo. Ele também é bastante substancioso. Eu desafio alguém a comer uma barra inteira de chocolate 85%, por exemplo.

Dr. Souto: Se conseguir, essa pessoa deve ir para o 90%.

Rodrigo Polesso: Se conseguir, meus parabéns. Já o chocolate ao leite (adocicado), que é uma pasta de açúcar e leite, é muito fácil de se comer uma ou duas barras inteiras. Fica a dica do alimento do dia. O chocolate é um alimento fermentado. Muitos alimentos fermentados são muito úteis para a saúde humana. O chocolate é muito nutritivo. A dica é: sempre prefira o chocolate a essa pasta de leite e açúcar. Seja exigente com você e com sua saúde. Consuma um chocolate de verdade com pelo menos 80 ou 85% de cacau na sua composição. Essa é uma adição muito bem vinda ao seu estilo de vida saudável. Esse chocolate pode estar no seu iogurte integral, ou como um pedaço de sobremesa se você assim quiser fazer. Com um quadrado de chocolate de verdade você pode degusta-lo por muito mais tempo do que você comer rapidamente uma grande quantidade de um chocolate que é ao leite.

Dr. Souto: Com certeza. Combina muito bem com café depois do almoço. Nós tomamos o café sem açúcar, amargo. Em comparação com o café, ele acaba ficando doce. Daí você acaba com aquela vontade de adoçar a língua depois de uma refeição.

Rodrigo Polesso: Agora vamos continuar com o segundo grande tópico do podcast. Será um podcast extra longo, mas se tornará uma referência no futuro para explicar muitos mitos da nutrição que ainda são disseminados hoje.

Dr. Souto: Algo que me diz que ninguém vai enjoar desse podcast por ele ser longo.

Rodrigo Polesso: Acho que não, já que ele está recheado de coisas importantes. Gostaria que todo mundo pudesse ouvi-lo várias vezes. Vou fazer uma introdução rápida do segundo tópico antes que eu fique sem voz e vou deixar o Dr. Souto falar. Uma das maiores e mais perigosas mentiras já disseminadas por diretrizes nutricionais no mundo inteiro – a questão da preferência por óleos vegetais, margarinas e afins, evitando ao máximo as gorduras saturadas como manteiga, banha de porco e etc. Inclusive, a Superinteressante também postou isso recentemente e causaram uma repercussão enorme. A revista postou um artigo pequeno com o título: “40 anos depois da condenação, a relação chocante é que a manteiga era inocente.” Nós já sabíamos disso, não é Dr. Souto?

Dr. Souto: É, nós já sabíamos.

Rodrigo Polesso: Quem estuda nutrição de verdade já sabe disso. “Por décadas, cientistas repetiram que óleos vegetais são melhores para a saúde do coração do que manteiga. Agora, revendo os dados de uma antiga pesquisa, pesquisadores descobrem que não é bem assim.” Então, mais uma história de fraude e de ego de autoridade, se tapando os olhos para as evidências que surgiam.

Dr. Souto: Foi uma coincidência incrível. Esse artigo do The Guardian que a gente resumiu para vocês antes, foi publicado dia 7. Poucos dias depois, sai essa notícia bombástica da redescoberta de um estudo antigo que começou a ser conduzido há cerca de 50 anos, que deveria ter sido publicado há 40 anos atrás e que tinha a possibilidade de ter mudado toda essa história. Isso não é uma teoria da conspiração. Se trata de uma conspiração que nós vamos explicar como aconteceu. Isso está comprovado agora. Nós tínhamos planejado fazer um resumo de tudo que havia saído na imprensa internacional, mas no fim, o artigo da Superinteressante fez um bom resumo e eu vou ler para vocês. “A partir dos anos 1950, os médicos do mundo construíram um consenso sólido: dietas ricas em gordura saturada fazem mal ao coração.” É aquele consenso sólido formado mais por influência política do que por ciência. “E, por décadas, a recomendação foi repetida no mundo inteiro: ‘troque a manteiga por óleos vegetais’. Fazia todo sentido. Afinal, gordura saturada faz subir o colesterol. E colesterol alto está ligado a doenças do coração. Portanto, só podia ser verdade que dietas ricas em gorduras saturadas causam infarto. E tome óleo de soja, de milho, de girassol… O que um grupo de pesquisadores americanos acaba de descobrir é que esse consenso fazia tanto sentido que dados que dizem o contrário acabaram sendo ignorados.” Essa é uma frase irônica. Se existem dados que mostram resultados contrários à teoria, deve mudar-se os dados, não a teoria. “Eles redescobriram uma pesquisa concluída mais de 40 anos atrás, reviram os números e chegaram a uma conclusão chocante: segundo a pesquisa, trocar a manteiga por óleos vegetais na verdade aumenta o risco de morrer do coração. A fonte da discórdia é uma grande pesquisa realizada no estado americano do Minnesota entre 1968 e 1973, envolvendo 9.423 pacientes, que foram acompanhados por anos. Parte deles trocou a manteiga por óleos vegetais, enquanto os outros mantiveram os velhos hábitos.” Esse é o maior estudo prospectivo e randomizado testando a hipótese de substituir gordura saturada por óleos vegetais possa ter algum efeito. O fato de ser um estudo prospectivo randomizado significa que é o nível de evidência mais alto que existe. Só analisar o que as pessoas dizem comer ou dizem não comer tem muitos fatores de confusão. Talvez uma pessoa que ache que não pode comer manteiga é uma pessoa que se preocupa com a saúde, então ela fuma menos e faz mais exercícios. Nesse caso, eles fizeram uma coisa que hoje não poderia ser feita, já que seria considerado antiético. Ninguém perguntou se essas pessoas queriam participar dos estudos. Elas eram pacientes internados em hospitais psiquiátricos. Eles foram sorteados e não tinha a opção, ou seja, eles comiam a comida que o hospital dava para eles. Isso significa que nós sabemos que eles não estavam roubando. Quando fazemos um estudo de dieta no mundo real, podemos sortear uma pessoa para o grupo que não vai comer manteiga, mas como vou ter certeza de que a pessoa não vai comer manteiga? Nesse estudo não. Eles estavam internados em hospitais. Nunca houve um estudo com 9.400 pacientes com a dieta integralmente fornecida. Então, isso é um estudo absolutamente fundamental e que nunca mais na história da humanidade será repetido. É o estudo mais importante sobre o assunto jamais realizado. Isso tem que ficar claro. “A fonte da discórdia é uma grande pesquisa realizada no estado americano do Minnesota entre 1968 e 1973, envolvendo 9.423 pacientes, que foram acompanhados por anos. Parte deles trocou a manteiga por óleos vegetais. Apesar de ter sido o maior estudo do gênero já feito no mundo, os dados nunca foram totalmente analisados e publicados. Mas tampouco foram para o lixo: ficaram guardados numa caixa, acumulando poeira no porão da casa da família do pesquisador médico Ivan Frantz Jr., da Universidade de Minnesota, que morreu em 2009.” E agora vem a parte mais incrível da ironia da história: quem era o colega do Dr. Ivan Frantz Jr que conduziu o estudo junto com ele?

Rodrigo Polesso: O famoso Ancel Keys.

Dr. Souto: Ancel Keys! Aquele para quem todo o problema era a gordura na dieta que aumentava o colesterol e portanto causava doença no coração era um dos coautores desse estudo. “Até alguns anos atrás, Christopher Ramsden, um cientista do National Institutes of Health, o principal órgão federal de pesquisa médica dos EUA, ficou sabendo da pesquisa e saiu em busca dela. Acabou encontrando o filho de Frantz (que era médico também), que lhe deu a caixa empoeirada. Após meses analisando os números, a surpresa.” Vou abrir parênteses: não era fácil analisar esses números. Esses números estavam em fitas de computador. Ele teve que reconstruir essas fitas de computador. Eles tiveram que conseguir dados de cartões perfurados. Essas tecnologias são muito anteriores aos HDs ou Pen Drives. Foi um verdadeiro trabalho de arqueologia. “Segundo a pesquisa redescoberta, até é verdade que, ao trocar manteiga por óleos vegetais, o colesterol cai: 14%, em média.” Então, a ideia do Keys de que se a gente tirasse a gordura saturada da dieta o colesterol iria diminuir, estava correta. Mas a parte que não está correta é a única que interessa. “Mas essa redução do colesterol não se traduziu em redução das mortes por doença cardíaca. Pelo contrário: o grupo que preferiu óleo de soja, milho e girassol teve uma chance 15% maior de morrer do coração.” Posso ler de novo essa frase, Rodrigo?

Rodrigo Polesso: Com certeza.

Dr. Souto: “Segundo a pesquisa redescoberta, até é verdade que, ao trocar manteiga por óleos vegetais, o colesterol cai: 14%, em média. Mas essa redução do colesterol não se traduziu em redução das mortes por doença cardíaca. Pelo contrário: o grupo que preferiu óleo de soja, milho e girassol teve uma chance 15% maior de morrer do coração.” Eu quero aproveitar para reforçar para nossos ouvintes: em pesquisas, existem desfechos moles e desfechos duros. Desfecho mole é que o colesterol diminuiu. Ninguém queria saber se o colesterol diminuiu ou não. Isso é absolutamente irrelevante. A única coisa que interessa é se as pessoas morreram mais ou menos. Esse é o desfecho duro. Se eu tomar um remédio ou fizer uma intervenção e meu colesterol subir, mas eu viver mais, eu vou deixar de fazer essa intervenção porque o número no laboratório não está bonito? Não. O interessa é o desfecho duro. Toda essa confusão com a pirâmide alimentar que nós vivemos por décadas vem dessa confusão aqui. O que existia nas décadas 50, 60 e 70 eram exclusivamente desfechos moles. Os desfechos duros começaram a aparecer nas décadas de 80, 90 e 2000. Por mais desfechos duros que tenham, o consenso não muda, porque ele virou religião. Vamos adiante: “Claro que Ramsden e sua equipe estão agora sofrendo várias críticas,” – olha que interessante, isso lembra a história de John Yudkin – “de cientistas que questionam a validade do estudo de Minnesota – afinal, o consenso continua de pé, tantos anos depois. Mas o estudo não é de todo surpreendente. Já se sabia que a relação entre dieta, metabolismo do colesterol e doença cardíaca era mais complexa do que supunham as relações simples de causa e efeito imaginadas nos anos 1950.” eu e o Rodrigo estamos cansados de falar isso.

Rodrigo Polesso: Com certeza.

Dr. Souto: “As suspeitas de que a manteiga não era assim tão culpada nem os óleos, tão inocentes, já vinham se acumulando. O vilão da vez é o ácido linoleico,” – O ômega-6 que sempre falamos – “presente em grandes quantidades em vários óleos vegetais, que é muito rico em ômega-6. Aparentemente, o corpo humano precisa ter um bom equilíbrio entre dois tipos de óleo: ômega-3 (presente em peixes, nozes e em sementes como a linhaça e a chia) e o ômega-6. Dietas muito ricas em ômega-6 levam à inflamação, que são um fator de risco para várias doenças, inclusive do coração. Mesmo quando o colesterol é baixo.” – se nós analisarmos as pessoas que dão entradas nas emergências dos Estados Unidos com uma síndrome coronariana aguda (isso inclui desde angina até infarto) 75% delas tem LDL abaixo de 130. 50% delas tem LDL (“colesterol ruim”) abaixo de 100, o que é considerado o ideal. Então, se o colesterol alto fosse a única explicação para o problema, como se explica que 3 quartos dos pacientes que tem infarto e chegam numa emergência tem o colesterol considerado dentro do valor de referência? Então, não é que o colesterol não tenha nada a ver com doença cardiovascular. Sim, ele tem. Mas normalmente, em níveis muito elevados e em conjunto com inflamação, cigarro, obesidade, resistência à insulina, glicose alta, HDL baixo, triglicerídeos altos… ele é mais um fator de risco. Mas não é o principal. Baixar o colesterol usando um óleo artificial extraído em fábricas através de sementes ricas em ômega-6 (que é algo inflamatório), seria algo tão burro como usar o cigarro para baixar o colesterol. “Fumem para baixar as chances de doenças cardíacas”. Ninguém recomendaria isso porque o cigarro causa doenças cardíacas por outros mecanismos que não tem nada a ver com colesterol, como a inflamação da camada interna dos vasos das coronárias. É isso que os óleos extraídos de sementes provocam – inflamação.

Rodrigo Polesso: Ironicamente, o colesterol baixo está mais associado com o aumento de problemas cardíacos do que o colesterol alto.

Dr. Souto: Isso é uma coisa muito doida. Talvez seja interessante colocarmos algumas referências científicas depois do podcast. As pessoas precisam ver que não estamos tirando isso do nada. O colesterol muito elevado está associado com o aumento de risco cardiovascular, mas o colesterol muito baixo também – é a chama curva EU. Ou seja, ela se eleva nas duas pontas. O valor ideal é um valor acima do limite de referência que consta no laboratório. As pessoas morrem menos com o colesterol em torno de 220. Nos valores de referência do laboratório, diz que deveria ser menor do que 200. Esse valor menor que 200 foi inventado por um comitê e não tem base científica.

Rodrigo Polesso: Outra coisa que devemos deixar claro (principalmente para quem não estuda esse tipo de coisa): o consumo de colesterol na sua dieta (ovos, carne bovina, gorduras saturadas) não tem aumento no colesterol do sangue. Mesmo assim, uma pesquisa mostrou que 53% dos médicos ainda acreditam nisso, o que é comprovadamente errado. Imagine o tamanho da população geral que acredita nesse tipo de informação.

Dr. Souto: Acho que 99%. Como tudo na medicina, existem exceções. São raras, mas existem pessoas chamadas de hyperabsorbers. São pessoas que absorvem uma quantidade excessiva de colesterol no intestino. É uma condição genética, hereditária. Nestas pessoas, a redução do colesterol na dieta pode ser benéfica. Mas não aplicaremos uma regra que vale pra 0,1% das pessoas para assustar os outros 99% fazendo com que eles comam açúcar e farinha porque isso não tem colesterol.

Rodrigo Polesso: Até porque o problema dessas pessoas não é o colesterol, o problema é que elas têm uma síndrome rara. No podcast anterior, o problema era o gene mutante.

Dr. Souto: Continuando: “Ninguém sabe ao certo porque os dados não haviam sido inteiramente publicados nos anos 1970” – o escambau! Todo mundo sabe! – “mas provavelmente teve a ver com o poder paralisante do consenso. O estudo havia sido encomendado pelo governo americano, que já sabia de antemão o que queria encontrar. Os pesquisadores envolvidos faziam parte do establishment – talvez, ao notar que os dados contradiziam o que eles próprios acreditavam, tenham desconfiado dos dados, não do consenso.” Isso é uma religião e não ciência! Ciência é o contrário. Na ciência você tem uma teoria, e faz um experimento. Se o experimento for contraditório à minha teoria, significa que minha teoria está errada e eu tenho que buscar uma teoria nova.

Rodrigo Polesso: Eu tento imaginar a cara deles sendo que foi investida uma quantia inimaginável de dinheiro. O estudo foi controlado meticulosamente. As maiores autoridades da época participaram do estudo. Imagine a cara deles ao verem que os resultados contradiziam o que eles acreditavam. A conclusão foi “ignorar o estudo pois deve estar errado.”

Dr. Souto: Bota numa caixa e deixe no porão. O pior é que de lá cara cá o consumo de óleos vegetais só cresceu. Principalmente por ele ser o mais comum nas comidas industrializadas: batata-frita, sobremesa, pizza congelada, molhos de salada. O que pode ser pior do que um óleo de soja extraído sob altas pressões com solventes orgânicos? Isso tudo misturado com carboidratos refinados! Com isso, dá para entender o que está acontecendo no mundo. A batata é frita num óleo inflamatório. As sobremesas industrializadas, as pizzas, os congelados, as lasanhas prontas… o sorvete não é feito com banha, é feito com gordura vegetal hidrogenada – que bota parte ainda é trans.

Rodrigo Polesso: É triste saber que o McDonald’s fritava as batatas em banha. Mas não tinha como uma empresa tão grande continuar a fazer isso sendo se o governo e os maiores nutricionistas do mundo diziam para eles que banha fazia mal. Esses foram forçados a mudar para os óleos vegetais e continua até hoje.

Dr. Souto: “A historinha é uma boa ilustração das limitações do conhecimento científico.” Não, me desculpe – aqui o jornalista pisou na bola. O conhecimento científico permite nós estarmos falando o que estamos falando. A historinha é uma boa ilustração das limitações das cabeças das pessoas que deixam a política dominar o seu pensamento científico.

Rodrigo Polesso: Perfeito.

Dr. Souto: O pensamento científico é o que permite que 50 depois a gente corrija esse erro catastrófico. Poucas coisas mataram tanta gente quanto esse equívoco. Se formos contabilizar o número de pessoas com obesidade, com síndrome metabólica, com diabetes, com Alzheimer, com câncer… Até os anos 70 ou 80, o governo não dizia para ninguém o que as pessoas deviam comer. As pessoas comiam de acordo com as orientações das suas vós e mães, que são infinitamente melhores do que as orientações do governo.

Rodrigo Polesso: Antes da década de 80, antes dessas diretrizes serem lançadas, as coisas vinham subindo bem vagarosamente. Inclusive, a obesidade britânica na época era basicamente uma linha reta. Hoje, depois de décadas fazendo coisas erradas, a Grã-Bretanha é o país mais gordo da Europa! A obesidade do americano vinha subindo, mas na década de 80 ela decola.

Dr. Souto: Decola de uma maneira louca e epidêmica de uma maneira que qualquer pessoa de bom senso pensaria “temos que descobrir o que está errado”. Quando olhamos para trás, é sempre mais fácil do que quando vivemos no momento. Mas o Yudkin estava vivendo no momento. Quem consegue ler em inglês, por favor, leia o livro do Yudkin. Ele foi reeditado agora – sinal dos tempos – e está disponível para Kindle. É absolutamente impressionante ver o que esse homem escreveu há 40 anos atrás. Isso podia ter sido evitado. O Keys sabia. Ele é o coautor desse estudo que ele mesmo ajudou a enterrar há 40 anos atrás. Não é que ele estava cego por sua hipótese e não se deu conta. Ele se deu conta e escondeu o resultado num porão.

Rodrigo Polesso: Antes da Segunda Guerra, a Europa estava no caminho certo de se entender a obesidade pela questão metabólica. Os americanos estavam presos na questão oposta. Com a Segunda Guerra, o mundo inteiro se transformou. Toda a pesquisa foi perdida no tempo. Kudos para o Gay Taubes que conseguiu ter essa luz de voltar e achar esse vínculo entre aquela época e hoje. Muitas diretrizes nutricionais de hoje são feitas baseadas nas americanas. Por mais triste que seja, a britânica foi copiada da americana. Dá para analisar a história e apontar o dedo para poucos culpados por toda essa catástrofe de saúde que está acontecendo hoje.

Dr. Souto: Eu acho que tiveram alguns culpados importantes porque foram grandes influentes. Mas eu acho que existem um monte de culpados anônimos que são as pessoas que foram junto, que seguiram a manada, que não tiveram um pouco de pensamento crítico. É complicado. A reportagem termina assim: “É sempre bom ser lembrado que as verdades da ciência são sempre provisórias e que certezas precisam ser constantemente revistas e questionadas. E, enquanto lembramos disso, não custa fritar um ovinho na manteiga.” A reportagem terminou muito bem.

Rodrigo Polesso: Muito bom. Tiramos uma informação que já sabemos disso tudo: óleos vegetais são tóxicos; são responsáveis por um decadente cenário da saúde mundial; obesidade; problemas cardíacos e etc. A nossas vós sabiam que a manteiga e a banha de porco eram muito bem vindas.

Dr. Souto: Tem um determinado momento do texto que eles comentam uma máxima do Dr. Max Planck que diz que a ciência não avança por que um lado convence o outro. Ela avança porque as pessoas acabam morrendo de velhas e são substituídas por pessoas com a cabeça aberta. Infelizmente, eu acho que a mudança que tanto esperamos ainda vai levar um tempo porque ainda existe muita gente no auge de suas carreiras profissionais que ainda defendem essas diretrizes desatualizadas de quarenta anos atrás. Essas pessoas precisam se aposentar para pessoas que são estudantes de nutrição, ou medicina entrem na profissão com outra cabeça. Essas pessoas vão começar a criar uma nova geração de alunos. Eu acho que a virada aconteceu nos anos 2014 e 2015. Tanto que agora, essas coisas de 40 anos atrás estão vindo à tona. No fim, talvez o Max Planck tenha razão. Tanto o Yudkin quanto o Ancel Keys estão mortos.

Rodrigo Polesso: Eu também acredito que estamos no meio de uma revolução. Já passou do ponto de retorno. Eu acho que não voltaremos mais onde estávamos antes, apesar de levar um ponto tempo até que a população geral saiba; ou até que os governos comecem a assumir que as diretrizes estavam erradas. Depois, finalmente a indústria, já que que ela segue o que a população quer. Ainda vai demorar bastante tempo. Ficamos feliz em poder ajudar a disseminar tudo isso e fazer parte dessa revolução; dessa força que está indo contra a maré. Espero que tudo isso tenha sido bastante útil para você. Isso tudo é chave para tudo que falamos. É um dos maiores mitos da história e é responsável pela catástrofe que é a saúde hoje no mundo. Agora temos o quadro O Que Você Comeu No Almoço de Ontem? Ontem eu comi uma das coisas que eu mais gosto, mas tem muita gente que vira o nariz para isso. Ontem eu comi filé de fígado de boi com cebola e manteiga, e uma mistura de legumes; broto de couve-de-bruxelas, mini quiabos, ervilhas e cenoura. Tudo na manteiga. Muito delicioso e nutritivo. O fígado é o alimento mais nutritivo existente no planeta. A concentração de micronutrientes no fígado é enorme. Infelizmente muita gente não gosta da textura ou gosto. Gostaria de saber o que o Dr. Souto comeu no almoço de ontem.

Dr. Souto: O meu foi bem mais simples, mas pelo menos essa semana eu comi no almoço de ontem. No almoço de ontem eu comi asinhas de frango com pele assadas (com a pele virada para baixo) para que fique bem crocante. Temperei com as e alho. É um tempero que ganhei de um paciente. Isso juntamente com salada mista com azeite balsâmico e um pouco de queijo ralado. Uma das vantagens de comer as asinhas é que sobra um monte de ossos. Podemos guardar esses ossos para fazer um caldo de ossos. Foi isso, nada complicado.

Rodrigo Polesso: Maravilha. Duas dicas para o pessoal praticar esse estilo alimentar que é tão flexível e tão criativo. Com isso vamos fechando esse episódio pivotal da Tribo Forte. Agradeço a audiência de todo mundo. Para o pessoal que quiser se tornar um Membro VIP da Tribo Forte, clique no banner que você vê aqui ou entre em TriboForte.com.br. Quem quer um programa estruturado mais fácil para emagrecer, aplicando na prática tudo o que falamos na teoria, vá no CodigoEmagrecerDeVez.com.br. Agradeço a audiência de todo mundo e espero estar com minha voz OK na próxima semana. Obrigado, Dr. Souto, por compartilhar todo esse conteúdo de hoje. Espero que esse episódio se torne um dos episódios pivotais aqui da Tribo Forte. Um grande abraço, até mais!

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